Ensaios

Danem-se os idos de março

Na última semana, por e-mail, nas rodas de café, nas conversas entreouvidas no transporte coletivo, por mensagens de What’s app, estou sendo bombardeado por “indiscutíveis” sinais do apocalipse iminente. Ontem, um amigo, que considerava politicamente sensato, me mandou essa mensagem de áudio:

Fiquei decepcionado e preocupado. Se até uma das cabeças mais razoáveis que conheço está sucumbindo a esse terror barato, as coisas realmente não vão lá muito bem. A mensagem, como tantos outros boatos que circulam por aí, segue ipsis litteris casos que estudei na cadeira de psicopatologia: alucinação extracampina (algo acontece na floresta amazônica, longe dos olhos de todos; um alerta sempre dado por uma terceira pessoa não presente); delírios de perseguição (grupos guerrilheiros com mais de 20 mil armas; guerra civil iminente); e o delirio de ruína (tudo vai ser “trancado” (oi?); confisco como na época do Collor). Meus professores com certeza apostariam num diagnóstico claro de paranoia.

Saí às ruas com isso na cabeça. No caminho encontrei 3 blitzes. Uma antes e outra depois do mesmo túnel! Vejam só!? Meu sogro me ligou para reclamar que em São Paulo todos os caixas eletrônicos estão sem dinheiro. Tentei confirmar a informação e percebi diversos bancos com o autoatendimento fechado. Confesso, pressionado pela força da profecia autorealizável, comecei a me deixar infectar pela paranoia.

Que paranoia com os idos de março, Júlio.
Que paranoia é essa com os idos de março, Júlio?

E dá para evitar? Como já disse o Zizek, a fantasia com o apocalipse tem lá a sua sedutora função redentora. Quando nos encontramos numa situação desagradável da qual não conseguimos sair, um evento mágico ou fantástico que acabe com o que há sempre pode ser melhor que a indecisão ou a tensão presente. E estamos nesse momento horrível. Não há como negar isso.

Corrupção, seca, aumentos de energia, volta da inflação, demissões em massa. Quem quer viver nesse mundo? Melhor que ocorra algo, qualquer coisa, para nos tirar dessa realidade. Mesmo que seja para nos levar para uma pior. Será que o ISIS atua no Brasil? Calma, calma, perguntei só por curiosidade.

O problema é que ninguém pensa no momento depois do apocalipse. Ninguém pensa no que acontece depois da revelação divina que joga o mundo antigo para escanteio. Se um mundo acaba, outro começa. E como será esse novo mundo? Com isso ninguém quer lidar. Mas, lembre, já lidamos com isso antes.

Lembro, por exemplo, do dia seguinte ao confisco do Collor. Sim, sou velho. Fui lá eu e meu pai para uma fila de chocados e descontentes na frente do Bradesco tirar os 5o dólares a que tínhamos direito. Depois daquele trauma meu pai passou a dividir o dinheiro em 20 poupanças diferentes como se isso fosse resolver a questão. Um amigo, que casou semanas depois do ocorrido, conta que durante a festa os convidados ficaram sentados imóveis olhando para o vazio como se sofressem de síndrome de stress pós traumático enquanto o dj tocava ininterruptamente “Pintura Íntima”. Meu antigo sócio, que perdeu uma empresa por conta do confisco, teve pesadelos recorrentes com a Zélia até o começo dos 2000. Eróticos, dizem as más línguas. Ficamos traumatizados, sim, mas sobrevivemos.

E sobreviveremos agora. Aconteça o que acontecer, sobreviveremos. Talvez mais pobres, talvez mais tristes, mas certamente mais sábios. E não há preparação para isso. Afinal, só peru morre de véspera.

Isso me lembra um causo do livro 30 anos essa noite. No primeiro de abril de 64, Paulo Francis, crente que seria o primeiro a ser preso pela ditadura, se refugiou no apartamento de um amigo com várias garrafas de uísque. Depois de 3 dias, ressaqueado, ele emergiu de seu bunker, e, para a sua surpresa, encontrou a vida continuando normalmente. Como podia? Dominados pela ditadura, estávamos todos agindo como se nada houvesse ocorrido. A lição é: não há anomia que sempre dure, nem normalidade que nunca se acabe.

Assim, me recuso a me deixar infectar por essa paranoia. Mas vai que… Vai que o quê? Tá, rola o confisco e você malandramente guardou seu dinheiro embaixo do colchão. O povo todo fudido e você bem. Na boa, isso, além de não ser jeito de viver, é uma das origens dos problemas que temos hoje em dia.

Vamos viver, não pelos outros, mas apesar dos outros e, paradoxalmente, com os outros. A felicidade que buscamos não está no que nos é externo, mas em nós mesmos. E não há 13, 15 ou 45 que irão me dizer como me sentir.

Por isso, não me importa se você saiu às ruas no dia 13, se sairá hoje ou se muito pelo contrário. Peço apenas que lide melhor com o presente e dê mais valor ao que pode realmente pode fazê-lo feliz. Se seguíssemos esse conselho, pode crer, não estaríamos nessa situação hoje. Frances Ha sabe disso.

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