Ensaios

Como você escolhe um livro?

No meio do horário do almoço, em mais uma visita a comatosa Leonardo da Vinci, um amigo do trabalho, involuntariamente me acompanhando à loja, me lançou essa pergunta. Fiquei em silêncio, chocado com a dúvida. Sem saber o que dizer, retruquei:

– Como assim?
– Como você escolhe um livro? – ele suspirou e deu um meio giro apontando as estantes, agora, semi-vazias da loja.

Ficou claro para mim que para o meu amigo a pergunta era óbvia e, portanto, merecia uma resposta tal qual. O que ele não sabia é que a pergunta não era de maneira alguma óbvia e, portanto, podia ter um leque quase infinito de respostas. Afinal, antes de perguntar o como, para chegarmos a o que escolher, é preciso saber por que você quer escolher um livro.

Escolher um livro, como escolher qualquer coisa, pode ter um sem número de motivações. Você pode escolher um livro para presentear alguém; para atacar alguém na forma de um presente, como um cavalo de troia de papel; para se mostrar mais inteligente do que realmente é; para fingir a humildade que não tem; para buscar uma informação específica; para ser surpreendido com algo que não conhece; para confirmar aquilo que já sabe; e até para se sentir ofendido. E para cada motivação há um método, um como, especialmente adequado.

Por exemplo, a escolha direcionada em busca de informação quase nunca requer diversas visitas a lojas físicas. Numa simples busca na internet, achou o preço mais barato, o frete mais rápido, e pimba, tudo resolvido. Querer ser surpreendido é diferente. Esse caso requer paciência. É preciso contar com a sorte e caminhar pela ruas em busca de lojas que não conhece e se permitir ser seduzido por capas e evitar a todo custo qualquer contato com o conteúdo da obra. Escolher um livro é quase como decidir ter um filho. As maneiras são tão diferentes  quanto escolher esperma para inseminação artificial e esperar o amor da sua vida para tentar a concepção.

E quando você, como eu, trabalhou com livros, a situação piora. Nós, livreiros, da ativa ou em recuperação, fomos infectados pelas mais diversas e estranhas motivações  contraídas dos clientes que tivemos. Tenho livros, por exemplo, que foram lidos completamente nas livrarias e só comprados anos depois como lembranças de uma época. Tenho livros que nunca li, escolhidos pelas dedicatórias em seu interior. Tenho livros comprados pelo ódio que tenho ao autor ou por respeito a pessoas que, por mais que admire, sei que escrevem mal. Livros que escolhi na estante de amigos, pedi emprestado e, sob a cumplicidade das vítimas, nunca devolvi. Tenho livros que são espelhos, escolhidos quando buscava afirmação. Tenho livros que são portais para outros mundos, quando queria fugir. E livros que são auto sabotagem para testar minha resolução ou provocar o meu fracasso.

Em alguns casos, para encontrar o que procuro, preciso ler a contra capa. Em outros é necessária uma grande pesquisa sobre a obra e o autor antes mesmo de colocar o livro nas mãos. Em certos casos, o abandono na estante é o fator decisivo. Em outros, encontrar algo escondido que não deveria ser encontrado é o que faz a diferença. Em alguns, a capa basta. Em outros, a falta de capa é que decide. Fatores demais. Respostas demais.

– Então, como você escolhe livros?- o colega insistiu
– Não sei- enfim desisti e respondi honestamente.- Não sei.

Ele sorriu e entendeu:

– Imaginei.

Nesse dia não escolhemos nada. O que sempre é uma opção.

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