Ensaios

Abaixo os privilégios (alheios)

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Parece que a onda da vez é justificar qualquer tipo de loucura como uma forma de acabar com os privilégios. Na Reforma Trabalhista, na Previdenciária, nos campeonatos de futebol e na divulgação de spoilers (ou não) dos últimos lançamentos de cinema nerd, a maior preocupação (declarada) é que todos tenham direitos iguais, ou, pelo menos, mais ou menos equilibrados. Infelizmente sabemos que a banda não toca dessa forma e acaba que os tais privilégios acabam se exaurindo mesmo no lado mais fraco da corda.

Essa sanha pretensamente justiceira de direitos iguais me lembra um costume bem cruel que o meu pai tinha. Meu avô foi coronel e teve, além do meu pai, quatro filhas. Como manda o figurino, todas tinham direito a tal da pensão de filha de militar. Meu pai se enfurecia com isso. Além de achar que tinha sido passado pra trás na herança, porque tinha apenas 5 anos quando ficou órfão, ele se sentia vilipendiado toda vez que lembrava que as minhas tias, todas casadas no religioso e com filhos, podiam visitar mensalmente o banco pra tirar o seu troco por serem filhas “solteiras” de militar. Mesmo que só no civil.

De dois em dois anos, ele se dava conta dessa injustiça, tinha um faniquito e se punha a trabalhar pelo fim dos privilégios. Como não podia fazer muito a respeito, ele pedia pra alguém ligar pras irmãs dele e perguntar se elas estavam vivas:

– Que absurdo! Claro que eu estou viva. Onde já se viu?- elas se indignavam.
– Pois, é, minha senhora- o testa de ferro dele respondia.- Meu nome é tenente sicrano e trabalho no ministério do exército, mais especificamente no setor de pensões. Como as senhoras já estão numa idade beeeem avançada, a gente precisa verificar se ainda estão vivas pra evitar que alguém esteja recolhendo indevidamente a sua pensão.
– Sei, sei. Mas eu estou viva. Pode avisar aí que eu estou viva.
– Quisera eu que fosse tão simples, minha senhora. Quisera eu. Pra comprovar que não morreram, as senhoras vão precisar se apresentar no dia 2 de janeiro às 7 da manhã na vila militar com os seguintes documentos…

E o testa de ferro desfiava uma lista de documentos homérica que ia dar um trabalho enorme pra elas conseguirem arrumar.

Morrendo de medo de perder o seu privilégio, as velhinhas rumavam pra onde eram mandadas com uma pastinha carregada de certidões, carteirinhas e declarações, só pra darem com a cara na porta.

O pior é que, toda vez que ele fazia isso, elas sempre iam pra onde fossem mandadas. Eu questionava como elas ainda podiam acreditar nessa lorota depois de terem caído tantas vezes.

– O medo de perder a boca é maior que a desconfiança. Por maior que a desconfiança seja elas nunca vão querer abrir mão dessa mamata. Vai que é verdade. Vai que- meu pai explicava.

Quando vejo essas lutas pelo fim dos privilégios, por mais justas que sejam, sempre me pergunto o quanto disso não é inveja. Se meu pai, por exemplo, recebesse essa pensão, será que ele abriria mão da mesma pelos seus “valores” e continuaria atormentando as minhas tias? Duvido.

Por isso, acho muito doido que o pessoal fique revoltado quando aqueles com poder decisório (legislativo e executivo), ou com a força da lei (judiciário) ou com o direito legal de portar armas (forças militares) fiquem sempre de fora desses cortes de privilégios. Nada mais natural que se outorguem os direitos que os outros não podem ter.

Claro que isso não justifica o imenso abismo entre eles e nós, mas, não sejamos ingênuos, quem busca o poder o faz pelo bônus e não pelo ônus.

Uma saída? Vejo poucas. Ou você busca o poder pra ter esses privilégios e ficar do outro lado da discussão, ou precisa se acostumar a ser a vítima desse esquete tragicômico chamado sociedade brasileira. Por outro lado, o aperto do lado de cá é tão grande que eles poderiam pelo menos dar um refresco pra gente. Não acha?

Como é impossível acabar com esses privilégios todos, a minha sugestão seria que eles dessem uma pequena aliviada nos deles e nos permitissem um punhado maior das migalhas que sempre nos restaram. Dessa forma a hipocrisia seria mais facilmente generalizada e não um privilégio (olha ele aí de novo) apenas do grupo que se encontra eternamente no poder. Assim, tipo o que rolou no super ciclo.

Afinal, se meu pai tivesse recebido o maldito relógio Patek Philippe do meu avô na sua herança, que ele alegava ter lhe sido roubado, tenho certeza absoluta, ele não seria tão cruel com as pobres privilegiadas das suas irmãs.

Ou será que a nossa única saída continuará a ser, como fazia meu pai, transtornar a vida dos privilegiados até que esse bônus se torne um ônus?

Algo a se pensar. Algo a se pensar.

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