Ensaios

Alô, Cláudia Cruz, a história te chama

Toda vez que vejo a Cláudia Cruz lembro como a história é frágil.

No início dos anos 90, um amigo meu morava só com os irmãos depois de um acordo/divórcio complicado com os pais. Ele era o único menor de idade, mas o restante não era muito mais velho que ele. As idades rodavam em torno de vinte e poucos anos e apenas dois eram formados e trabalhavam. Era uma espécie de república/núcleo familiar de sitcom no qual fico muito feliz de ter feito participações especiais. Se tivesse escrito sobre isso na época, podia ter criado o Friends.

Cada irmão, como não podia deixar de ser, atendia a um esterótipo. O meu amigo era o sábio, apesar de ser o mais novo; o segundo era o devasso; o terceiro era o workaholic; e o mais velho era o romântico. Não é surpresa que o romântico fosse o que passava mais tempo com a gente; era um adolescente espiritual.

Ele costumava se apaixonar numa semana e se frustrar na próxima; suas paixões eram voláteis ao ponto de ele mesmo confundir os nomes das suas pretensas pretendentes; pra piorar, partia do amor ao ódio numa facilidade impressionante. Além disso ele alimentava as taras mais peculiares. Numa época, por exemplo, começou com uma paixão por grávidas que quase o fez ser preso no supermercado Pão de Açúcar após perseguir uma futura mãe por toda a loja.

Era um sujeito complicado, mas divertido. Em geral nos envolvia em seus dramas pedindo conselho e compartilhando suas emoções. Era uma divertida brincadeira de psicanalista que, confesso, teve seu quê na minha escolha de curso superior.

Num verão no início dos anos 90, ele apresentou a tara mais louca: encasquetou que ia casar com a Cláudia Cruz. Veja só, ele não falou namorar, pegar, trepar, ou nada do gênero. Ele falou CA-SAR. Quando começava o RJ TV, ele mandava todo mundo se calar e ficava comentando embevecido sobre a classe da sua amada da vez:

– Isso, sim, é mulher pra casar. Não é dessas vagabundas que se encontram pela rua. Imagina só a satisfação de chegar em casa e ter essa mulher te esperando. Que olhos, que rosto, que voz. Que VOZ!

Foi mais ou menos nessa época que ela virou a voz da Telerj. O doido, na falta de uma maneira de rever o RJ TV a todo momento, vivia ligando para os serviços de atendimento para ouvir a sua musa. O negócio começou a ficar tão preocupante que a gente resolveu ajudar além do usual

Acionamos um amigo que tinha a habilidade quase mágica de conseguir o telefone de qualquer pessoa só com a lista telefônica e acesso ao 102. Graças a ele tínhamos o telefone de todas as paquitas, para as quais, óbvio, nunca ligamos apesar de todas as nossas bravatas. Em dois dias de pesquisa, ele achou o telefone da Cláudia Cruz.

Anotamos o telefone num papelzinho e ofertamos a ele.

– O que é isso?
– Liga e vê.

Ele ligou, esperou, disse Alô, ouviu e resposta e imediatamente bateu o telefone na cara da Cláudia Cruz.

– Não acredito. Não acredito – ficou repetindo em choque.- Não a-cre-di-to!

Ao contrário do que imaginamos o acesso à sua paixão não o tornou mais ousado; pelo contrário, o paralisou completamente. Seu medo era jogar a chance fora. Usar a aproximação errada e perder para sempre a oportunidade de tornar a Cláudia a mãe de seus filhos. Para tentar ajudá-lo, resolvemos criar a maneira ideal para ele utilizar essa oportunidade.

Montamos uma força tarefa para produzir o telefonema. Alguns de nós escreviam o texto, outros revisavam, outros ensaiavam com ele e com o feedback dos ensaios criamos uma árvore de respostas que pretendia atender a qualquer situação que surgisse na ligação. Com isso, tínhamos certeza, o destino da Cláudia Cruz estava certo como esposa do irmão do nosso amigo.

Todo o processo tomou tempo. Não era a nossa atividade principal, se é que ir a escola e assistir à MTV pudessem ser considerados atividade principal, e as idas e voltas do roteiro, especialmente por conta das idiossincrasias do nosso Don Juan que insistia em incluir seus dotes de barítono no papo, atrasaram o telefonema em quase dois meses. Enfim, depois de diversos drafts e ensaios, ele estava pronto para ligar.

Óbvio que não foi uma ligação particular. Todos estavam lá para apoiá-lo. Suas calma e confiança animavam a todos. Ensaiamos mais algumas vezes, ele tomou uma dose de Steinhaeger para relaxar, colocou um copo d’água ao lado do telefone e lentamente discou: 5…4…2…X…X…X…X…

Dois segundos depois, o seu sorriso escorreu pela face e seus olhos perderam todo o brilho. Ele deixou o telefone cair no chão e escondeu o rosto entre a mãos, soluçando. Peguei o telefone e a própria Cláudia Cruz avisava:

– Esse número foi cancelado. Verifique o número e tente novamente. Muito obrigada.

Tentamos animá-lo, garantindo que o nosso amigo com certeza conseguiria o novo número, mas o baque tinha sido grande demais. Ele tinha perdido a esperança. Mesmo que tivesse o número não confiava mais que fosse conquistá-la.

Deixamos ele curtir o luto e quando o encontramos novamente, ele estava namorando com uma mulher mais velha, viúva e com uma filha, com a qual acabou casando e, pelas últimas vezes que o vi, vive feliz até hoje.

Quando eu vejo a Cláudia Cruz, lembro do irmão desse meu amigo e imagino o teria acontecido com o Brasil se ele tivesse conseguido falar com ela; se ele tivesse conseguido conquistá-la. Será que o Cunha teria perdido a gana de corromper tanto assim? Será que isso geraria um país mais justo? Será que a Cláudia Cruz era a proverbial borboleta que gera Tsunamis de corrupção? Nunca saberemos, mas sei que a história é frágil e qualquer oportunidade que temos de mudar a nossa vida e as daqueles que nos cercam tem que ser aproveitada. Afinal, quem sabe a pequena ação de coragem de hoje não torne o nosso mundo melhor amanhã? Mesmo que seja um simples telefonema a um afeto da televisão.

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