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Os 10 anos da Baratos da Ribeiro

1o. de março de 2001. Quinta feira após o carnaval. Além disso, aniversário da cidade do Rio de Janeiro. Saí de Rio das Ostras de madrugada, deixei minha mulher, na época namorada, na casa dos pais, e fui abrir, pela primeira vez, para o público em geral, a Baratos da Ribeiro.

Extremamente bem localizada, na meiúca de Copacabana, entre a Siqueira Campos e a Hilário de Gouveia, a Baratos ocupou a loja onde por anos existira a London Uniformes. Quando assumimos o espaço ainda havia muito material dos antigos ocupantes, incluindo cascos e cascos de Malzibier, diversas roupas de empregada, que dizem as más línguas um sócio levou com objetivos libidinosos, e um misterioso cofre de onde sairam cento e poucos reais rapidamente depositados no Poluma, o botequim vizinho.

Perto de tudo. De delegacia a botequim. Tudo tinha por alí.

A pesada limpeza da loja durou quase uma semana de mutirão entre os sócios, lotou duas caçambas de lixo e me deu uma infecção ocular misteriosa que sumiu tão rápido quanto surgiu. Assim que os passivos dos antigos ocupantes foram retirados, começou a reforma. Como toda a reforma, parecia interminável, mas, apesar das brincadeiras do empreiteiro de que ela terminaria em agosto, “a gosto de Deus”, no final de fevereiro a loja já estava pronta. O resultado do makeover? Prateleiras negras, criticadas pelo Garcia Roza através do seu delegado Espinoza, o ficcional chefe da delegacia vizinha da loja, estantes para quadrinhos, movéis para discos, um mezanino e uma sala de vídeo nos fundos da loja. Coisa de primeira.

Os primeiros lotes de livros que ornariam, esperávamos, por pouco tempo as prateleiras foram transportados e arrumados na loja no período anterior ao carnaval. Durante a organização, o movimento e a placa de “Compramos Livros” atraíram alguns clientes apressados que tentaram, mas não conseguiram, oficiosamente inaugurar a loja.

No dia oficial da inaguração, abri a loja, como se tornou meu costume, antes do horário regulamentar. Coloquei as caixas de livros a 1 real do lado de fora, liguei o computador- graças a Livreiros Associados, a Baratos era um dos poucos sebos informatizados na época- e esperei os primeiros clientes. Aos poucos, a população de Copacabana começou timidamente a percorrer o espaço. Mais livros chegaram da central, fizemos algumas vendas, compramos alguns volumes, até que, por volta das 2 da tarde, a loja caiu na mais completa penumbra. Blecaute.

Saí da loja para ver o que tinha acontecido. O problema era só na nossa loja. Liguei para os outros sócios e um eletricista foi imediatamente posto a caminho. Para não fechar a loja, fui a uma armazém próximo, comprei umas velas e as coloquei em copos emprestados do Poluma. Nesse momento entra o professor Secchin.

Como, nunca ouviu falar do professor Secchin? Você tem certeza que conhece sebos? O professor Secchin é o autor do mais famoso guia de sebos do Rio e aproveitou para conhecer a nossa loja justamente naquele momento pouco conveniente. Na época, confesso, ainda não o conhecia e, como faria com qualquer outro cliente, lhe ofereci uma vela para que se encontrasse na escuridão. Não sei exatamente como isso pode ter influenciado a sua opinião, mas, desde então, ele se tornou um cliente bastante frequente.

Professor Secchin, uma luz na escuridão.

O professor Secchin fez algumas compras, se despediu nos desejando sorte e logo mais o eletricista chegou. Como sempre acontece nesses casos de eletricidade, ele virou uma chave, cobrou uma fortuna e tudo voltou ao normal. A turma de livreiros do turno da tarde chegou, mas a turma da manhã, na qual me incluía, não arredou pé. Anoiteceu e os outros sócios, que batiam ponto em outras instâncias, começaram a aparecer. Pouco a pouco, o que era um ambiente de trabalho foi se tornando uma festa. Deu o horário de fechar a loja, mas as portas continuaram abertas. As cervejas começaram a migrar do Poluma para a Baratos, assim como os clientes do botequim e, de repente, sócios, livreiros, estranhos, amigos e parentes transformaram a loja numa boate. Estava inagurada a Baratos da Ribeiro.

Sócios, funcionários, amigos e alguns estranhos. Esse, sim ,era um espaço democrático.

Não me lembro a que horas fechei a loja, mas já era tarde. Ou cedo. Em poucas horas iria abrí-la novamente, assim como o fiz pelo restante do ano. Já estávamos no dia 2 de março de 2001. O aniversário do Rio já tinha passado, assim como o dia de nascimento da Baratos.

Otto Rank dizia que um nascimento é sempre um ato heróico de transformação, muitas vezes não percebido conscientemente. O da Baratos não foi diferente. Depois de uma gestação relativamente rápida, a loja estava aí, andando com suas próprias pernas. Quando penso naqueles tempos, mais inocentes e menos ameaçadores, pré 11 de setembro e pré estante virtual, quando os sebos ainda floresciam e cresciam, percebo como é grande a marca que a loja causou na minha alma. O dia 1o. de março de 2001 pode ter sido o nascimento da Baratos, mas, de certa forma, foi o meu também. Mais um deles.

Hoje, nesse nosso aniversário de 10 anos, assim como um pai ausente- cortei meus laços profissionais com ela ainda em 2001 – me sinto orgulhoso e feliz de ainda nos ver vivos por aí. Talvez diferentes, mas, na essência, ainda os mesmos.

Peço a todos que conhecem a Baratos levantar um brinde a esse sensacional e resistente sebo carioca. Aos que não a conhecem, convido: visitem a Baratos e os demais sebos do Rio e do Brasil. Só cabe a nós manter essa tradição. Slaínte mhoiz, Baratos! Slaínte mhoiz, sebos do Brasil!

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