Ensaios

Trainspotting 2 e a maldição do filme sobre a meia-idade

Saí de T2: Trainspotting com um gosto amargo na boca. Não, o filme não é ruim. É óbvio, não consegue captar o brilhantismo visual do primeiro, que 20 anos depois já ficou ultrapassado; nem a mensagem, hoje repetida à exaustão, surpreende, apesar de manter a sua força. Os problemas não foram esses. O principal problema que me causou esse mal estar foi perceber que ninguém sabe fazer filmes sobre a meia-idade.

Isso é uma coisa que me atinge diretamente. Por mais que não pense nisso a todo momento, estou na meia-idade. Tenho 42 anos e considerando que posso viver até uns 80, passei do limiar da metade da vida. Se continuar sedentário e obeso, essa expectativa cai e já posso me considerar da terceira idade, o que explicaria por que o período dos meus 20 e poucos anos parecia tanto uma crise de meia-idade. Mas isso não vem ao caso.

A ficha que me caiu é que somos ótimos para fazer filmes sobre a juventude e sobre a terceira idade, mas os filmes sobre a meia-idade sempre são um lixo.

Os filmes sobre a juventude são normalmente coming of age stories, histórias sobre amadurecimento. Guiados pelos nossos hormônios ou por crenças idiotas, fazemos merda atrás de merda até que por força das circunstâncias ou por uma revelação descobrimos o que é ser adulto.

Nos anos oitenta, essas histórias eram contadas com adolescentes e à vezes até crianças. Hoje nosso coming of age tá rolando lá pelos 30 anos. Eita, adolescência prolongada.

Os filmes sobre a terceira idade já pegam um caminho oposto; em geral são filmes sobre um resgate. Um resgate de virilidade, de liberdade, de amor, de emoção. Coisas que ficaram perdidas pelas trevas da meia-idade e que precisamos resgatar para novamente nos sentirmos jovens.

O filme normalmente termina com uma morte digna ou com a esperança que haverá (bastante) vida pela frente. Duas mentiras.

Quando chegamos aos filmes da meia-idade a porca torce o rabo. Primeiro, os personagens em geral são escrotos; gente amargurada que é vítima das suas próprias manias e não percebe o mal que realiza ao seu redor. São opressores porque podem ser e não se importam com os outros pois sofreram demais e consideram ter esse direito. Segundo, o evento deflagrador da ação é em geral uma morte. Um parente, um dos amigos de um grupo, até mesmo um desconhecido. Tem sempre alguém que faz esse povo sem carisma perceber que a morte está chegando e que eles precisam mudar. Invariavelmente a sua resposta é tentar ser jovens, sem a graça, o vigor ou a inocência da juventude. Ou seja, eles se mostram os idiotas que são. Depois de darem com os burros n’água e aceitarem sua mortalidade, retornam à sua escrotidão usual com um pouquinho mais de doçura.

Até os poucos filmes legais sobre a meia-idade (o Reencontro, Para o Resto das Nossas Vidas) seguem esse modelo e nos expulsam da sala o cinema com uma sensação de insuperável imobilidade.

Olhando por esse prisma, tanto as histórias de juventude como as da terceira idade são histórias de mudança, de rebelião. As da meia-idade são confirmações do status quo. Casais separados se juntam novamente, famílias se reúnem apesar de se odiarem, negócios falidos prosperam apenas o suficiente para não forçarem os protagonistas a mudarem de carreira. Enfim, histórias reacionárias. Enquanto os filmes de juventude e terceira idade te dizem “Do something”, os da meia-idade dizem “É isso o que temos pra hoje, mas relaxa”.

T2 foi por esse caminho. Os amigos aparentemente maduros dentro das suas perversidades são reunidos por causa da morte da mãe de Renton e retornam as suas atividades de juventude para no final (spoiler?) descobrirem que a vida é assim mesmo e se recolherem as suas respectivas insignificâncias.

Não vou dizer que não me diverti. Foi como encontrar velhos amigos e ouvi-los contar aquelas histórias épicas dos “nossos tempos”. As homenagens visuais são bem usadas e, se você vir o primeiro filme logo depois, como eu fiz, fica patente como os personagens ainda mantém a mesma força do primeiro filme, assim como o discurso “Choose Life” atualizado para os tempos atuais.

Mesmo assim, saí mal do cinema. O que a ficção tem a dizer pra minha idade é isso? Bom, você vai fazer 20 anos de carreira no ano que vem e é por aí que você tem ficar mesmo. Pense nas suas responsabilidades e tente inutilmente sufocar as suas culpas que, quando e se chegar na terceira idade, você pode resgatar um pouco de vida para não dizer que foi tudo um desperdício de tempo.

Num mundo em que estamos vivendo cada vez mais, é um crime que a nossa ficção sobre a nossa crescente meia-idade seja só isso. Talvez o verdadeiro crime seja pensarmos na vida como um único ciclo de Descoberta, Decadência e Aceitação da Morte.

Talvez precisemos olhar para a vida como uma série de ciclos que não se ligam mais a idades específicas. Mas, enquanto a indústria do cinema olhar para os espectadores como públicos alvo, e não como pessoas, continuaremos vítimas desses contos morais divididos pelas faixas etárias de 18 a 35, 35 a 65, 65 a morte, sobre como a vida é boa e só nós não percebemos.

Segundo a indústria do cinema, escolher a vida (choose life), e não simplesmente aceita-la, é um esporte para jovens.

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