Na manhã do dia 6 de novembro de 2024, quando a nossa incompetência enquanto seres humanos foi mais uma vez reafirmada pelas urnas americanas, no caminho pro trabalho, liguei a minha playlist no random, e, de primeira, logo entrou o The The mandando a letra com The Beat(en) Generation: |
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When you cast your eyes upon the skylines Of this once proud nation Can you sense the fear and the hatred Growing in the hearts of it's population
(Quando você lança seu olhar sobre os horizontes/Desta nação que já foi orgulhosa/Consegue sentir o medo e o ódio/Crescendo nos corações de sua população) |
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Imediatamente lembrei de 8 anos atrás quando lancei a primeira edição de O Salvadorenho fazendo troça do Laranjito, imaginando que a onda fascista que varria o mundo era apenas um efeito colateral da conjunção entre a crise financeira mundial, fruto da ganância de Wall Street, e o emburrecimento coletivo, causado pelas redes sociais.
Na época, imaginava que tudo passaria logo, e que, do meu cantinho no mundo, eu poderia ajudar um pouquinho a gente a cair na real mais rápido. Estava enganado. A situação apenas piorou, se espalhou por todo o mundo, e cooptou toda uma nova geração. |
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And our youth, oh youth, are being seduced By the greedy hands of politics and half truths
The beaten generation, the beaten generation Reared on a diet of prejudice and mis-information
(E nossa juventude, oh juventude, está sendo seduzida/Pelas mãos gananciosas da política e meias-verdades/A geração derrotada, a geração derrotada/Criada com uma dieta de preconceito e desinformação) |
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Mesmo com uma pandemia no meio do caminho, que exacerbou o absurdo da situação, houve uma reação, e até pareceu que havia uma esperança. Déspotas foram depostos, as instituições, apesar dos ataques, conseguiram reagir, e se reinstaurou um período de aparente normalidade. "A esperança venceu o medo", não era esse o discurso?
Foi bem significativo que nesse período o Coppola conseguisse terminar Megalopolis, há 40 anos em desenvolvimento, onde questionava quais seriam os próximos caminhos do eternamente decadente Império Americano.
Como nos filmes de Máfia que o notabilizaram, Coppola celebrou mais uma vez a nostalgia e a esperança de imortalidade do Império Romano, a inspiração de todos os impérios e fetiche de todos os oligarcas.
Assisti ao filme no domingo antes das eleições americanas, e, mesmo antes da tragédia, já me questionava se não era ingenuidade pensar que há uma saída racional e humana desse ciclo aparentemente infindável de primitivismo, arcadismo, consumação, destruição e desolação que Thomas Cole tão bem retratou numa série de pinturas.
A minha resposta foi não. A mim parece que estamos presos a essa louca busca pelo poder motivada pelo medo sem a menor chance de uma vitória definitiva sobre o que há de pior no ser humano. Somos não só vítimas, mas definidos por essa mistura cruel de ignorância e maldade.
Então, o que nos resta fazer quando não há saída? Sucumbir ao niilismo? Desistir? Se juntar ao mal e se locupletar? Não, há um caminho frente ao inevitável, e ele passa pela formação de Zonas Autônomas Temporárias. |
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We're being sedated by the gasoline fumes And hypnotised by the satellites Into believing what is good and what is right
You may be worshipping the temples of mammon Or lost in the prisons of religion But can you still walk back to happiness When you've nowhere left to run
(Estamos sendo sedados pelos vapores de gasolina/E hipnotizados pelos satélites/Para acreditar no que é bom e no que é certo/Você pode estar adorando os templos do dinheiro/Ou perdido nas prisões da religião/Mas ainda consegue voltar à felicidade/Quando não há mais para onde correr) |
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Uma Zona Autônoma Temporária, descrita por Hakim Bey, no seu livro de mesmo nome de 1985, disponível aqui em copyleft, é uma tática sócio-política de criar espaços temporários que escapam às estruturas formais de controle, se utilizando de sistemas não hierárquicos de relações sociais para nos concentrarmos no presente e libertarmos nossas próprias mentes dos mecanismos de controle que nos são impostos diariamente.
Esses novos territórios mentais momentâneos se colocariam à margem dos impérios que nunca são efetivamente derrotados, mas simplesmente sucedidos pelos que diziam ser revolucionários em busca de libertação. Assim, em redes independentes de convívio e comunicações, ocultos ao Estado, poderíamos eludir as estruturas formais de controle e sermos livres de quaisquer hierarquias opressivas, exatamente como Asterix e seus amigos. |
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And if they send in the special police To deliver us from liberty and keep us from peace Then won't the words sit ill upon their tongues When they tell us justice is being done And that freedom lives in the barrels of a warm gun
(E se enviarem a polícia especial/Para nos livrar da liberdade e nos afastar da paz/Então as palavras soarão mal em suas bocas/Quando nos disserem que a justiça está sendo feita/E que a liberdade vive nos canos de uma arma quente) |
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Se lembra de Asterix e dos irredutíveis gauleses? Enquanto o Império Romano usava e abusava do mundo, naquele pequeno cantinho da Gália, um grupo de gauleses, possuidores de uma fórmula que lhes dava força sobre humana apenas queria viver em paz. Não lutavam contra o império, nem queriam eles se tornar o próprio império. Eram, segundo a descrição de Hakim Bey uma super bem sucedida Zona Autônoma Temporária. Nada temiam, apenas que o céu lhes caísse nas cabeças, e tocavam suas vidas resistindo a quem não podia verdadeiramente lhes oprimir, pois nunca controlariam o que tinham de mais importante: suas mentes.
Sim, há uma saída contra toda essa opressão de um mundo que acaba continuamente à prestação, mas ela não está em revoluções conduzidas por futuros projetos de tiranos. Ela está em construirmos espaços de relacionamento baseados na humanidade que todos os sistemas de poder insistem em nos negar.
Mas não é difícil viver assim? Sim, fácil não é, mas, tenha certeza, ninguém pode vencer as nossas imaginações aditivadas pela poção mágica do druida Panoramix. |
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The beaten generation, the beaten generation Open your eyes, open your imagination |
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Sim, podemos estar cansados, e parecer derrotados, mas somos imaginativos pacas.
Então, venha ouvir de novo comigo esse hino profético do The The de 1989, e ler um pouquinho de Asterix para ver se nos inspiramos para criar esses novos e particulares mundos que irão nos proteger de todo o mal. |
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Gente, desculpa o longo texto, mas foi inevitável. Segue um agradecimento especial à Gaía Passarelli que no seu curso ABC da Newsletter acabou me estimulando a tentar um formato mais ousado para esse papo. Tá todo mundo tentando, e eu tentei também. 😉 Valeu, Gaía.
Bom, acho que é isso. Bom fim de semana, aproveite para descansar que a semana foi frustrante e cansativa, e até o próximo sábado num micro mundo muito melhor do que esse que essa humanidade medrosa e sem imaginação nos oferece.
Abraços e nunca vamos nos esquecer do recado do Obelix.
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