Se tem uma coisa que me admira é como as pessoas administram o uso das suas energias. Ao mesmo tempo em que me fascinam as pessoas que, ao contrário de mim, tem objetivos claros e pontuais, para os quais se movem até a última gota de sangue escorrendo pelos seus poros, sem perder a alegria, a disciplina, e o vigor; bato palmas para aquelas que, independente do esforço envolvido em suas atividades, conseguem estar sempre serenas, em paz, totalmente imunes às preocupações externas, ou seja, completamente descansadas. Comigo as coisas não rolam assim. Eu não sei; eu não consigo. Eu não sei como me cansar; eu não consigo descansar.
Ansiando por mais um período de descanso, a.k.a. férias, que, sei, não conseguirei realmente aproveitar, assumi minha ignorância sobre o assunto, e resolvi me dedicar a entendê-lo. Pode parecer trabalhoso, e, em algum grau, cansativo, mas não é. Pelo menos pra mim.
Durante essas leituras, tive algumas pequenas conclusões:
1. O Cansaço é uma invenção - desde quando adquiriu a consciência, e foi, metaforicamente, expulsa do Éden e condenada a trabalhar pesado para sobreviver, a humanidade tem revisado, descoberto, e criado novas formas de se cansar. Ou melhor, de ser cansada. Afinal ninguém se cansa, são as outras pessoas e outras coisas que nos cansam. Assim, da maldição da terra difícil de arar, passando pela exploração industrial, até a atenção constante e opressiva do excesso de informação da era do (des)conhecimento, temos aprimorado e atualizado as formas pelas quais seremos exauridos. O que é interessante de se notar é que a causa dos nossos cansaços nunca é algo verdadeiramente necessário. Somos cansados pois nos encontramos num contexto desconfortável quase impossível de se escapar e que se mantém de pé simplesmente pois as pessoas continuam dispendendo esforço para que esse status quo do cansaço se mantenha. Como questionava o Cazuza, por que a gente é assim?
2. O Descanso é uma invenção - se o cansaço é uma invenção, o des-cansar, o ato de retirar o cansaço para que possamos nos cansar novamente, também é uma criação humana. A sua primeira iteração institucional, o Shabat, foi uma forma de exaltar a criação, enquanto o santo domingo, uma maneira de relembrar os pecados que nos levaram a nos condenar ao ato de cansar. Como o cansaço mudou, as formas de descansar também precisaram se adequar para se harmonizar. Do deitar na relva após o trabalho no campo, à invenção do turismo pra fugir das cidades, e do consumir como forma de aliviar (e justificar) o cansaço de produzir, continuamos nos esforçando (e nos cansando) para inventar novas maneiras de nos curar de um cansaço que, à princípio, nem precisávamos ter. Diz aí, Cazuza, por que a gente é assim?
3. Cansaço e descanso não têm a ver com quantidade mas com qualidade - essa gangorra aparentemente inescapável do cansar e descansar não tem nada a ver com a quantidade de esforço que investimos em algo, mas pra quê, e principalmente pra quem o fazemos. O cansaço só existe pois as atividades que nos cansam são feitas para atender a desejos alheios ou que nos são impostos por outros, ou para nos acomodar a condições nas quais não queremos estar. A condição natural humana ideal é, ou pelo menos deveria ser, de equilíbrio de energia. Como dizem os mestres zen: “Comer quando se tem fome, beber quando se tem sede, dormir quando se tem sono.” Se soubéssemos lidar com as nossas necessidades sem medo ou ânsia, o cansaço não existiria, nem a necessidade do descansar. Por que, então, a gente NÃO É assim?
Não sei, mas o que me fica dessa história toda é que a tomada de consciência sugerida pela história da árvore do bem e do mal não é simplesmente moral, mas temporal. Nos tornamos conscientes do tempo; do tempo que passou, do que estamos fazendo com o tempo que temos agora, e do tempo que nos resta. Enfim, tomamos consciência da morte. O cansaço é, assim, um reflexo do nosso julgamento sobre o nosso uso do tempo, uma espécie de culpa antecipada nosso (mau) uso da vida.
Se cansar é sinal de que estamos usando o tempo de uma maneira, se não errada, prejudicial a nós mesmos. O pior é que descansar não resolve isso, apenas nos habilita a passar mais uma vez por esse ciclo sem morrermos de exaustão. Descansar é um benefício direto justamente a quem nos cansa.
O caminho que deveríamos estar seguindo, para variar, é o caminho do meio: o caminho do ócio. Sem cansaço, nem descanso, deveríamos, sem tender ao tédio, poder usar o tempo que temos como se ele fosse nosso. Infelizmente, abrimos mão dele em prol dos outros para ter acesso a coisas que não precisamos, e para atender a pessoas que não nos amam.
Então, não sei o que vou fazer com e nas minhas férias, nem como (e se) vou descansar. Mas uma coisa eu sei: vou tomar as rédeas do meu tempo e torná-lo todo meu. Quer dizer, se ele, o tempo, não se cansar de mim, como provavelmente acabei de cansar você. |