Ensaios

Compra e Venda

Desde o início da avaliação, ficou claro para o corretor que o casal estava ansioso. Especialmente a esposa. Isso não era incomum. Todos ficam tensos quando tem o valor do seu imóvel avaliado. Definir o preço de uma casa ou de um apartamento é um exercício de corda bamba. Ninguém quer ser subavaliado e perder dinheiro, nem superavaliado e não atrair compradores.

Porém, a tensão exibida pelo casal, especialmente pela esposa, ia além disso. Havia algo a mais. Algo que ele precisava investigar.

– Então, qual é o veredito- a esposa se adiantou?
– Bom,- o corretor começou- é um imóvel interessante. Sólido, bem localizado; precisa de algumas reformas, afinal o prédio é bem antigo, mas isso não é problema.
– Ótimo, ótimo- a esposa suspirou.
– Mas…
– Mas?
– Mas eu sinto que há algo estranho. Algo que não estão contando. Há algo que esconderam de mim?
– Viu, eu te disse que ele ia perceber- ela ventilou suas frustrações para o marido.- Eu te disse. Era impossível não perceber.

O corretor, intrigado, tentou esclarecer:

– Podem me explicar do que estão falando?
– É uma besteira- o marido minimizou.- Ela tem a impressão que a casa é mal assombrada. Doideira. Relaxa, amor. Já te disse que isso é coisa da sua cabeça.
– Ah, não me venha com essa, querido. Já esqueceu tudo o que a gente passou aqui?
– Tipo o quê?- o corretor quis saber.
– Você quer mesmo saber? Eu vou te contar. Assim que a gente mudou, não deu duas semanas, a tubulação do banheiro estourou. Tipo uma cachoeira. Inundou o apartamento todo.
– O prédio é antigo- o marido contemporizou.
– Tá, eu sei. Mas isso não explica o que os pedreiros acharam na parede.
– O que eles acharam?- o corretor perguntou.
– Facas. Facas e mais facas. Enfiadas no meio do concreto. Como se fosse algum tipo de magia negra.
– Exagero, eram só umas quatro ou cinco facas- o marido esclareceu.
– E o lance do gás?
– Do gás?- o corretor começou a ficar assustado.
– Os técnicos da companhia de gás vieram aqui colocar a tubulação nova e quando tiraram a antiga antiga ela estava cheia de símbolos estranhos pintados em vermelho, tipo tridentes e capetas.
– Exagero.
– E a vez em que o fogão quase explodiu na sua cara foi um exagero?
– Um acidente.
– Você quase ficou cego!
– Parcialmente… parcialmente…
– E as luzes, hein?
– O que tem as luzes?- o corretor perguntou
– No meio da noite, elas acendem e apagam como se estivessem mandando mensagens. Mensagens do além. Do além!
– Que nada. Parece tipo uma boate, daquelas bem tranquilas. Nem me acorda mais- o marido complementou.

Era visível o medo no rosto do corretor. O marido tentou acalmá-lo:

– O senhor não fique assustado, é que ela encasquetou que o fantasma da minha madrasta, que morou aqui antes da gente, está aqui pra me matar.
– Encasquetei? Ela não te expulsou do enterro do teu pai, hein? Dizendo todas aquelas palavras estranhas em sei lá que língua.
– Sim, expulsou, mas…
– E aquela caixa com o rato morto que deixaram na porta do nosso antigo apartamento?
– Nada ficou provado. Nada.
– Bom, então, amigo- o marido explicou ao corretor-, por isso ela está preocupada que esse lance da casa ser mal assombrada possa diminuir o valor de venda. E como a gente quer sair daqui logo…
– Quer, não! Precisa. Senão o fantasma dessa velha vai matar a gente.
– Retomando, então como a gente quer vender logo, ela quer saber se tem uma maneira da gente vender bem esse imóvel para comprar outro.
– Entendi- o corretor começou a se recompôr.- Posso fazer uma pergunta pra senhora?
– Claro.
– Se a senhora estava sendo atormentada por esses espíritos, esse quase poltergeist, por que não se mudaram logo?
– O mercado estava em baixa pra vender e a gente não queria perder dinheiro.
– Entendi.
– Então, será que a gente consegue vender bem esse apartamento mal assombrado?- o marido pediu a avaliação do corretor.

O corretor coçou o queixo, olhou pro pé direito alto, pro teto cheio de arabescos, chutou de leve uma das paredes como se estivesse testando a estrutura e se pronunciou:

– Acho que tem um jeito. Acho que tem um jeito.

Na semana seguinte, o corretor postou nos sites de imóveis o seguinte anúncio:

“Oportunidade ÚNICA! Apartamento de 110 m², dois quartos e dependências, sem vaga de garagem. Último imóvel ainda mal assombrado na Zona Sul do Rio. Apenas para os verdadeiramente corajosos ou descrentes. Motivo de venda: fantasma de madrasta quer matar o proprietário. Clique aqui para pedir mais informações ou marcar uma visita. Sol da manhã.”

O corretor acertou na mosca e em duas semanas o apartamento foi vendido por um valor acima do de mercado. O casal comprou outro bem melhor, sem fantasma, com vaga na garagem, varanda e condomínio com playground e piscina. Já o fantasma da madrasta ficou feliz de se livrar do enteado e se acalmou. Se bem que os novos moradores, um casal de ateus materialistas, mas cheios de superstições, tem o hábito de cantar música sertaneja na madrugada, o que está começando a dar nos seus nervos espectrais.

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