Destaque Ficção

Extinção

Naquele último domingo todo mundo acordou cedo. Era um dia frio, frio mesmo, no mundo todo. E não choveu. Em lugar algum. Do mundo inteiro.

As pessoas, após acordarem, olharam pelas suas janelas e não se entristeceram com o céu cinza chumbo que circundava a Terra. Apenas sorriram e resolveram fazer as coisas que mais gostavam. Algumas foram trabalhar, mesmo sem precisar; outras visitaram parentes ou amigos; e muitas, mas muitas mesmo, foram pros parques e orlas passear e estar com pessoas que não conheciam.

E todos ficaram calados. Os trabalhadores se concentraram nas suas tarefas; os que visitaram outros apenas os abraçaram cheios de amor; e os que saíram às ruas simplesmente sorriam uns para os outros. E todos, mas todos mesmo, vez ou outra paravam o que estavam fazendo para olhar o céu. Aquele céu cinza chumbo. E sorriam, sentindo que o céu, como uma camada de proteção contra algo muito ruim, os defenderia o máximo possível contra qualquer mal.

Quando começou a anoitecer, as pessoas deixaram o trabalho, as famílias, os amigos, os parques e as orlas com uma sensação de dever cumprido, e se despediram umas das outras com acenos de cabeça discretos e sinceros. A hora, todos sabiam, tinha chegado.

Naquele último domingo, todo mundo foi dormir cedo. Tomaram banhos quentes e longos, botaram pijamas confortáveis e se esconderam do frio sob pilhas de cobertores aconchegantes. Quando todos, mas todos mesmo, já estavam sonhando, o céu cinza chumbo também resolveu partir e deu lugar a um incrível azul que ninguém pôde ver. Aos poucos, tudo, como o céu, também começou a ficar azul. As ruas, as florestas, as fábricas, as máquinas, os prédios, as casas, as pessoas. E esse azul, aos poucos, grau a grau, abaixou a temperatura com muita gentileza e cuidado até que todos, mesmo embaixo de seus grossos cobertores, estivessem congelados e preservados para as futuras gerações que não viriam.

E, assim, o dia e o mundo acabou.

Dezenas, centenas, milhares de anos passaram e todas as construções humanas ruíram. Nada que evidenciasse a nossa presença sobrou. Como uma piscadela do universo, sumimos no tempo.

Mas foi bom, bom mesmo, pois naquele último domingo tudo foi perfeito. Em 30 mil anos de consciência, naquele último momento, por pelo menos um dia, soubemos viver.

A humanidade, como um sonho de uma noite de verão cheio de som e fúria, veio e foi sem alarde, retornando a ser o pó de estrelas que nunca deixou de ser. Sem orgulho ou vergonha simplesmente fomos, simplesmente nos fomos. E nada ficou, pois nada fica. A não ser os céus azul e cinza chumbo que com carinho nos colocaram pra dormir.

Fala aí

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.