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Prezada Cerveja

Fala, querida, quanto tempo. Sei que só estamos afastados há 3 semanas, mas, confesso, parece bem mais. Não tinha como ser diferente, nesses últimos tempos, desde que a pandemia começou, nosso relacionamento realmente se estreitou.

Sem o ritual do transporte público, do sair e chegar em casa, calhou que o nosso encontro virou a maneira de eu avisar ao meu corpo e à minha mente que o trabalho tinha acabado. Assim, quando eu terminava minhas tarefas diárias, lá ia eu te rever na geladeira, gelada e convidativa. Começamos com encontros breves e curtos. Aos poucos eles foram ficando mais longos e se tornaram também uma forma de eu ficar sozinho comigo mesmo. E com você, claro.

Com o passar dos meses, nosso contato foi se tornando mais constante e tinha repercussões no dia seguinte em pequenas, ou grandes, ressacas que me permitiam ficar na cama um pouco mais e botar a culpa de um mal estar generalizado nas nossas farras. Porém, cá entre nós, eu estava me enganando. Te procurar pra me fazer mal era só uma maneira de não entrar em contato com os meus sentimentos e também aguentar as 12 ou 13 horas diárias de reuniões na antecipação dos goles que íamos dividir.

OK, a culpa não é sua. Se o nosso relacionamento quase começou a se tornar tóxico, só tenho uma pessoa a culpar: eu mesmo. Mas também como passar por tudo isso de cara limpa? Não há meditação zen budista que alivie esse fardo para um cristão, ou, até mesmo, um ateu. Mesmo assim, cá estamos nós, separados.

Claro que teve um motivo. Quando senti os primeiros sintomas da CoVid, resolvi fazer a promessa que ficaríamos sem nos ver, ou tocar, pelos próximos 6 meses se não eu não tivesse maiores complicações. E, graças a Deus, deu certo. Como promessa é dívida, melhor darmos esse tempo.

Pra você tenho certeza que não é problema. Na TV vejo um bando de gente que está arriscando a vida pra aproveitar a sua companhia nos bares com outros inconsequentes. Melhor seria que todos a encontrassem em casa, sem aglomerações, como eu fazia. Novamente, eu sei, a culpa não é sua.

Seja como for, vou te dizer, apesar de tudo ter começado com uma promessa, acho que esse tempo que estamos dando vai ser positivo. Desde que nos afastamos, comecei a dormir melhor, perdi alguns dos quilos e centímetros de barriga gerados pela nossa relação, e entrei em contato com o tal mal estar que eu atribuía a você.

Agora, mais consciente de que o cansaço com o qual desperto tem outros motivos, comecei a tomar outras providências. Medito duas vezes por semana, voltei a ler e a escrever pela manhã, entrei num curso de roteiro de documentário, e estou passando um tempo mais produtivo com a minha família. O que tem sido muito bom.

Estaria mentindo se dissesse que não sinto saudades de te encontrar ao fim dos dias longos e quentes de trabalho, mas sinto que estou lidando bem com isso; tanto que não tenho mais certeza que em 12 de novembro a gente vá reatar. É chato dizer isso por carta, mas é melhor te deixar preparada. Talvez esse tempo seja o indício de um rompimento final.

Nessas últimas semanas, percebi o quanto deixei nas suas costas a responsabilidade de não resolver uma série de coisas que me incomodavam. Não é justo que a gente mantenha um relacionamento de co-dependência onde você seja a fonte de alegrias e tristezas que não lhe concernem, nem uma maneira pra lidar com gente com quem eu não quero estar junto ou situações onde não quero estar. Como dizem nos filmes, “it’s not you, it’s me”.

Então, no dia 12 de novembro, mesmo que não fiquemos juntos, vamos nos falar. Pode ser que eu tenha mudado e perceba que é possível termos uma relação novamente. Se isso acontecer, ela precisa ser diferente, saudável, pois eu preciso ser diferente e saudável. E se não voltarmos, não vamos nos tornar inimigos. Guardemos as memórias dos muitos tempos felizes que passamos em festas com amigos, sozinhos em meditações pessoais ou em mesas de bar sob o sol inclemente do Rio de Janeiro.

Eu sei que você me entende. Abraços, obrigado e desculpe por tudo que precisamos passar.

Inté!

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