Acho que chegou num ponto em que a gente tem que se perguntar se a economia merece realmente esse lugar de destaque em nossas vidas.
Do final do século XVIII pra cá, com a construção das repúblicas democráticas modernas e de algumas tiranias autojustificadas, a economia e a política, reduzida a um processo para definir modos, meios e regulações (ou não) de produção, viraram a coisa mais importante da vida. Coisas de gente séria. Vitais. Podia ser diferente.
Por exemplo, a discussão suscitada pelo Corona entre “a bolsa ou a vida” podia ser filosófica, espiritual, artística, mas, não, é sobre a sobrevivência do indivíduo versus a sobrevivência do sistema econômico. O engraçado é que muitos dizem que as mortes individuais justificam a sobrevivência de um sistema que, santa falta de imaginação, Batman!, as pessoas não conseguem nem pensar que possa ser diferente. Errado. Podia ser diferente.
Me acompanha aqui: os serviços fundamentais estão funcionando bem, isso mantém as pessoas em casa, reduzindo a carga nos hospitais, o problema é que uma parcela gigante da população não tem dinheiro ou crédito para comprar coisas que, se não forem consumidas, vão acabar no lixo de qualquer maneira. E por que eles não tem dinheiro? São pródigos, perdulários, preguiçosos? Não. Pelo contrário. Só não tiveram a sorte de nascer ricos ou não foram privilegiados por uma meritocracia de cartas marcadas. Ou seja, o problema não é a necessidade do trabalho, afinal vimos que dava pra todo mundo viver com bem menos fazendo bem menos, o problema é manter a máquina girando pois os que não tem são reféns daqueles que tem. Eu estou maluco ou as pessoas precisam trabalhar não pro seu benefício próprio mas pra um sistema que já privilegia uma determinada elite que não trabalha? Caramba. Podia ser diferente.
Já estava ficando revoltado com essa questão, quando vi esse vídeo e o troço piorou:
Pensei em botar na conta da ignorância da prefeita, mas percebi que ela era movida, não por lógica, mas por uma crença. A crença na infalibilidade da economia liberal. A economia, ou melhor, a teoria econômica liberal se travestiu numa ciência natural. Fingindo ser a seleção e a evolução das espécies, a economia liberal se considera uma força incontrolável e inegável. A mão invisível do mercado, como um destino cruel Antigo Testamento Style, está aqui para decidir os que vão morrer de fome, de CoVid e de outras causas em nome de uma meritocracia plutocrática. Podia ser diferente.
A gente podia aproveitar essa oportunidade para instituir a renda mínima universal, taxar as grandes fortunas para reduzir a desigualdade, acabar com a fantasia de que seus genes são geniais ou de que caixão tem gaveta e parar com essa fascinação com propriedade privada. Putz, aí é socialismo, você vai dizer. Isso não é natural do ser humano. Sério? E o que é natural? O feudalismo, a escravidão, o capitalismo? Mas os países socialistas.. pois é, não dá pra aprender com o que rolou? Se prender ao passado dessa é forma é como se, por mágoa com as cruzadas e com a inquisição, ninguém mais quisesse casar na Igreja ou comemorar o Natal. Óbvio que não quero advogar comunismos, socialismos, leninismos, stalinismos e afins. Eu só quero dizer uma coisa: Podia ser diferente.
O que a gente devia estar se perguntando agora, retirando todos os ismos do papo, é: como?