Destaque Poesia

AI DE TI, Copacabana – versão bicentenário da Independência

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Foto: Marcos Serra Lima/g1

Desculpa, Rubem Braga.

1. AI DE TI, Copacabana, porque já deixaste claro que nem ligou que passou teu dia, e, pior, até fizeste a egípcia; porém não receberás de mim nem um áudio de whatsapp de lamentação.

2. Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, mas, em nome dos bons costumes, tiraram da tua fronte a socorredora coroa de sedução; e calaram as tuas belas risadas ébrias e vãs que ecoavam no doce seio da noite.

3. Já encheram teu mar de pranchas de SUP e de iates de luxo de uma parte e de outra parte, e turistas que não te amam tomaram o Leme e o Arpoador em busca de falsas representações do que nunca foste, e tu aplaudiste este sinal; estás perdida e cega no meio de tua ganância e de teu mal gosto.

4. Sem Leme, deixaste as viúvas e filhas de militares e burocratas de altos salários te governarem em comícios fascistas. Foste iníqua perante o povo faminto que amava tuas praias, e o 472, o 455 e o 457 mandarão sobre ti a multidão de suas hordas.

5. Grandes e decadentes são teus edifícios de cimento, alugados para o AirBnB, com visitantes mal vindos e sem noção que emporcalham teu mar; mas, como um cuspe no vento, seus abusos serão vingados.

6. E os ratos e pombos cruzarão em tuas ruas e darão cria a uma prole mutante que cobrirá tua face de bosta; e a Estação de Tratamento de Esgoto do Posto 5 lançará ondas de dejetos sobre ti num reciclar de karmas, até morder as rodas dos mototáxis nos sopés de teus morros; e todos os bailes funk se eternizarão como tinnitus em teus ouvidos.

7. E as baratas comerão seus viagras nas suas infinitas farmácias e lesmas insones infestarão tuas hamburguerias gourmet; e as dark kitchens empestearão tuas galerias, desde a Menescal até a Alaska.

8. Então quem pagará um só bitcoin pelo metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade a cripto moeda é só uma invenção de faraós que comandam templos neopentecostais dedicados a Mamon.

9. Ai daqueles que exploram os refugiados que dormem amontoados em tuas quitinetes, e não provam o vento do teu fim de tarde vindo do mar, ocupados demais para te servir através de aplicativos, e desconhecem que, segundo a lei do verão, a praia é para todos.

10. Ai daqueles que passam em seus carros de som, buzinando alto o nome de falsos Messias, pois não terão voz quando tomarem suas economias e propriedades em nome de Deus, da Pátria e da Família para combater um Comunismo irreal.

11. Tuas cam girls se estendem na areia e fazem lives para estrangeiros impotentes desejosos de amor e sol, e teus héteros top fazem da falta de empatia o exercício do seu machismo versão Joe Rogan.

12. Postai fotos e mandai áudios, mancebos e mocinhas de bem, e rebolai-vos na marcha para Jesus, porque vossos dias já passaram da validade, e tuas mentiras já conhecemos.

13. Por que pregais o ódio em vossos templos, eleitores da Besta Fera, e chutai as homenagens para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a hipocrisia da fé que fingem ter?

14. Antes de te extinguir, eu acabarei com a tua soberba— ai de ti, Copacabana! Os exércitos pagãos de teus morros descerão sambando sobre ti, e os canhões flácidos de teu próprio Forte se recusarão a te salvar, e broxarão; mas o chope sagrado das esquinas e botequins levará milênios para se limpar dos teus pecados de um só mandato.

15. E o Cervantes reabrirá, e os seus sanduíches enfim comerão as cabeças de homens de bem com patê e abacaxi; e os anúncios das e dos acompanhantes do bairro exporão os nomes de todos que passaram muitos anos nas colunas sociais, quando deviam estar atrás de grades por prolongar a escravidão.

16. Pois grande foi o teu desleixo, Copacabana, ao se entregar a velhos corruptos pregando a Ditadura em nome de Deus; já se fechou a Help e a Erótica, e fingiste ser esse um sinal de progresso e evolução. Pois a falta de cultura, de tesão e de humanidade te consumirão.

17. A rapina de teus policiais de aluguel e a libação de teus falsos homens de bem; e a ostentação dos fascistas do Posto Cinco, cujas cozinhas permanecem impecáveis graças à servidão de mil meninas miseráveis — tudo passará.

18. Pinta-te de verde e amarelo e coloca a tua camisa da seleção, e canta pela última vez o jingle em homenagem ao odioso demônio que tomou em nome de um Deus falso a Nação, mas a quem estou enganando? É tarde demais para qualquer canção; e que estremeça o teu corpo inchado de Whey Protein e anabolizantes, desde o Copa Leme Praia Clube até a Body Tech da Gomes Carneiro, porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Faz arminha com a mão pela última vez, Copacabana. Dessa traição não te recuperará. Ai de ti. Ai de nós.

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