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O problema com gatos

Nunca fui uma pessoa de gatos. Tive cachorros. Vários. E, confesso, nunca tratei deles direito, como eles mereciam. Mas nos últimos dois anos, devido a uma conjunção de oportunidades e do desejo da minha filha e da minha mulher, me tornei “pai” de gatos. Dois.

Sinto que sou um bom “pai” de gatos, afinal ninguém é dono de gatos. Os gatos te escolhem. Como numa síndrome de Estocolmo, ou eles te aceitam ou eles permanecerão eternamente como seus reféns. Mas a síndrome de Estocolmo bateu, e sinto que os gatos aprenderam a conviver comigo. A gata, principalmente.

Eu levanto, a gata me segue. Vou pro escritório, ela deita na almofada me esperando. Sento no sofá, ela deita no meu colo ou afia as garras na minha barriga. Eu me deito, ela cola o corpo dela no meu. Em paz. Ela sente uma tranquilidade em mim que os meus anos de crises de ansiedade e minha relutância em ser tratado delas não me permitiam achar existir.

O problema é que esse amor condicional, diferente da devoção canina a seus donos, me dá uma sensação de superioridade moral. Se o gato, tão independente, me ama, ou algo similar, eu devo ser uma pessoa boa. Não?

Não.

A gato, triste constatação, não me ama. Ela simplesmente protege quem lhe alimenta.

A maioria das relações com os seres humanos são similares. As pessoas não lhe amam. Elas simplesmente colam em você pois você as alimenta. Alimenta de arte, informação, carinho, medo ou, até mesmo, violência. Nossas necessidades são muitas e particulares.

Mas isso não significa que eu não ame os gatos. Amo. E, óbvio, tenho minhas preferências. Fico feliz quando estou tendo reuniões difíceis no home office e ela está deitada ao meu lado. Me derreto quando estou ouvindo as mazelas nacionais e ela afia as garras na minha barriga. Amo quando tenho insônia e ela sai do seu conforto nas almofadas para ficar ao meu lado.

Ela me ama? Não sei. Eu a amo? Com certeza.

Eu costumava dizer, cinicamente, que interesse era uma palavra bonita que assumiu uma péssima conotação. Todas as nossas relações são por interesse. Interesse financeiro, de status, de poder, de distração e de amor.

O amor que damos, a gatos ou pessoas, é um interesse. Um interesse de mantê-los ao nosso lado. Porque eles nos fazem felizes, nos instigam e nos alimentam da humanidade que tanto sentimos falta. Os gatos somos nós.

E nesse momento, em que digito essas palavras no meio da madrugada, com a gata colada ao meu corpo, eu, sim, sinto uma superioridade moral. Afinal, o mundo tem nos mostrado, nesses momentos em que a tônica é o ódio, que ser amado não é mérito, mas que amar, sim, é o que nos faz seres humanos melhores.

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