Pode ser um exagero dizer isso, mas a minha clara impressão, nos quatro anos e meio como morador, é que Belo Horizonte é uma cidade mal amada. Não por que lhe faltem admiradores. Muito pelo contrário. Pelas ruas não é díficil ver pessoas vestindo camisas com os dizeres “Amo BH Radicalmente” ou proclamando seu amor pela cidade de forma apaixonada. Mas esse amor, na minha opinião, pouco se materializa. É possível inclusive ver esses mesmos apaixonados deixando a cidade todos os fins de semana pois “Em BH não tem nada pra fazer”. Estão totalmente enganados.
Parece que, como bom marido ausente, o belo horizontino médio passa tempo demais no botequim da esquina falando da cidade “amada” ao invés de cortejá-la adequadamente. E quando começa a aproveitar suas belezas se rende facilmente ao que está na moda ou faz escolhas incrivelmente erradas que só aumentam o seu desejo de ir pro sítio nos fins de semana.
Enfim, é uma cidade “taken for granted”. Suas belezas mais conhecidas são ostensivamente visitadas mas o que realmente representa a alma da cidade é tão integrado ao seu ambiente que pode até passar desapercebido ou morrer sem atenção.
Quer ver só? Todo mundo vai ao Mercado Central mas não costuma passar dos bares que formam o primeiro cinturão. Ficam espremidos entre mineiros e turistas, tomam uma cerveja ruim e saem com uma história curiosa para contar. Nessa hora o folclórico se torna o inimigo do ótimo. Isso é que deve ter levado à falência, por exemplo, o Sabores e Idéias, lojinha pequena com várias delícias (sanduíches no pão de queijo, tortas de sardinha e broas incríveis) que ainda era especializado em refrigerantes exóticos de todo o Brasil. Não sobreviveu aos bares comuns.
Mas ainda há bons lugares a visitar no Mercado. Na tabacaria Sabiá há um bom café e um belo pão de queijo com pernil; no Bar da Lôra há os pratos que fizeram a sua fama no comida di buteco, como o Pure Energy of The Blonde, ou, em bom português, pura garra da Lôra ; já o Coisas D’Hana representa bem a culinária árabe em BH; e ainda há a possibilidade de meter a mão na massa e ter aulas de culinária com a equipe do Eduardo Maya no espaço Nestlé.
Por falar no chef Eduardo Maya, agora, depois de ter saído do Comida di Buteco, ele tem uma feira chamada Aproxima. Muito boa para provar e conhecer novos sabores e comprar produtos orgânicos.
Atualmente existem diversas feiras e eventos de rua em BH, mas normalmente sua periodicidade é o famoso quando dá e a sua localização é onde der. Vale acompanhar o SouBH para estar por dentro desses eventos. A feira Aproxima também é itinerante e de periodicidade indefinida, mas fui a ela diversas vezes no Mercado Cruzeiro, um outro espaço excelente e também menosprezado.
Pra provar o meu ponto, no Mercado Cruzeiro todo sábado tem uma bela feira de vinil, rodeada de barzinhos com cervejas artesanais, que quase ninguém conhece. Para comer, o povo costuma ir na Parrila del Mercado que, confesso, tem uma excelente comida argentina, mas poucos se esforçam para ir ao outro lado do mercado e aproveitar os espetinhos da Espetaria do Mercado, onde você encontra espetos exóticos e chopp Backer baratinho. Até se você quiser se desentoxicar de tanta carne, no mesmo mercado tem o Formoso com delicias vegetarianas.
Acho que resumir BH à culinária mineira é um crime. Óbvio que tem coisas maravilhosas como o Xapuri e tal, mas há um mundo muito maior a se conhecer no quesito gastronomia: a Salumeria, com uma linda vista do alto da Praça da Estação; o Duke’n’ Duke, com boas cervejas, hambúrgueres e comida bem britânica; o Kobes, de carnes de caça e com o charme de ser dentro de uma garagem; o bar Seu Romão , em Santo Antônio, pertinho de onde eu morava, com petiscos razoáveis, mas com cervejas excelentes; e o Café Palhares, o lar do Kaol (que se eu nunca tivesse comido, ia perder minha carteirinha de ex-morador de BH).
Mas BH não é só comida, tem bebida também. Estranhamente, em Belo Horizonte, a aclamada Bélgica brasileira, não é tão fácil tomar as próprias cervejas locais. Alguns lugares são bem conhecidos pela quantidade de cervejas, como o Café Viena, mas não vale a pena visitá-los. A sugestão é ir às distribuidoras diretamente e levar boas cervejas para casa, ou tomar uma lá mesmo. Os dois melhores lugares que encontrei são o Tonel , perto da Savassi, e o Mamãe Bebidas na fronteira entre Floresta e Santa Tereza. Uma outra opção bem legal é fazer o beer tour do Rodrigo Lemos e conhecer as cervejarias e diversos bares legais num mesmo dia. O preço é bem em conta para o que oferece. Mas também é quando der, onde der.
Culturalmente, os belzontinos médios também conhecem muito pouco da cidade. Enchem as peças estreladas por atores globais e as exposições badaladas mas, fora o usual (KM de Vantagens Hall, Palácio das Artes, SESC e etc), há uma clara preguiça em se ocupar novos espaços ou privilegiar os antigos. Assim, você não os vê nas noites de sexta no Edifício Maleta curtindo os sebos e os bares moderninhos que abriram na sua varanda, nem visitando a tradicional Cantina do Lucas; eles não vão ao Teatro Giramundo; não frequentam a Galeria do Rock (é, não é só em São Paulo que tem); não conhecem o museu dos brinquedos; não vão à Biblioteca Estadual Luis Beça, que tem peças e eventos interessantes; nem vão ali do lado no Espaço do Conhecimento da UFMG, que tem inclusive um planetário; não costumam ir no Belas Artes para curtir um filminho, a livraria e o bistrô; e muito menos iam no falecido Nelson Bordello ou na festa Alta Fidelidade ou ainda tem um preconceito eterno com o belo inferninho que é A Obra. Quando vamos aos arredores da cidade, a coisa piora: não conhecem as cervejarias de Nova Lima; não foram comer Fondue no Topo do Mundo; e, pasme, a grande maioria que conheci nunca foi no Inhotim. É de doer o coração.
O povo fica tão enfurnado nos carros, nos shoppings, nas próprias casas e nos botequins que a impressão é que o que há de mais belo na cidade vai morrendo à míngua por falta de carinho.
Mas ainda há salvação. Existem muitos que amam a cidade de fato e mesmo os que andam pelo mau caminho podem ser salvos. Por isso acho que o maior gesto de amor à Belo Horizonte é não só aproveitá-la plenamente, mas especialmente apresentá-la a todos que puder. E aqueles que já moram nessa linda cidade e não a conhecem de fato são os primeiros que devem ser resgatados.
Amar BH radicalmente é isso. Sair às ruas e descobrir o que a cidade tem a oferecer com o misto de desconfiança e encantamento que só o mineiro consegue ter. Foi isso o que descobri. Foi isso o que BH me ensinou. E foi por isso que essa cidade tanto me encantou. E talvez por esse amor é que ela tenha sido o lugar que o destino escolheu para a minha filha nascer.
Espero que essas dicas me ajudem a redescobrir a cidade. Não esqueça de me dizer depois o que você encontrar de novo por lá!
Bom carnaval!