[oei#35] A transcendental transferência de energia financeira e humana na cadeia de valor do livro

No início dos anos 1990, eu tinha uma amiga que, para aplacar nossas angústias existenciais e amorosas, costumava tirar tarot para a gente. Ao fim de cada consulta ela estendia a mão e pedia uma contribuição. Valia tudo, até uma moeda, mas uma coisa era indiscutível: a contribuição era sempre obrigatória. “Eu passei minha energia para você”, ela explicava “agora você retribui essa energia para mim também para que o ciclo não se interrompa”.

Quando olhamos para qualquer ciclo produtivo, é muito fácil rastrear e quantificar as trocas de dinheiro, mas será que, como minha sábia amiga fazia, conseguimos entender as trocas de energia que acontecem nessas interações que geram valor? E como podemos encarar essa circulação financeira e “espiritual” no processo editorial?

Muito mais do que um produto, o livro, no seu longo caminho até chegar ao seu público, é uma expectativa, cumprida ou não, de mudança e transformação. A energia dispendida e canalizada por todos os personagens envolvidos na cadeia de valor do livro é entregue depois de muitas passagens de mãos para alguém que irá aproveitá-la para seus próprios fins. Para seu divertimento, seu relaxamento, seu desenvolvimento pessoal, ou mesmo para que o objeto venha a lhe agregar status ou “apenas” melhorar a estética do ambiente em que a pessoa vive.

Se temos ciência do valor gerado para o sujeito final desse circuito, as trocas, realizadas entre as diversas equipes que participam da concretização desse sonho, se tornam mais fáceis. A autora concebe a obra e a entrega à editora em busca de realização pessoal ou estética, retorno financeiro, ou mesmo atenção para uma causa ou um tema. A editora, também imbuída de seus próprios interesses, complementares ou similares ao da autora, agrega mais valor e energia ao produto, coordenando os esforços de profissionais de texto, design, produção e logística para que a experiência do livro seja o mais adequada às expectativas conscientes ou inconscientes da sua leitora. Nisso participam também os canais de vendas que buscam, através da entrega da obra, garantir não só a sua sustentabilidade financeira, mas também a importância da sua marca e a qualidade dos relacionamentos com toda uma comunidade de consumidores.

Os tratamentos e transformações que a obra sofre, desde sua concepção até a sua experiência pelo consumidor final, se manifestam pelas alterações nos seus insumos e pelas trocas financeiras que ocorrem entre os atores dessa produção. O claro cumprimento dos acordos contratuais e da organizada circulação desses valores é que estabelece a saúde de todo o ecossistema do livro. Qualquer interrupção, por ruído nas comunicações, mal-entendidos nas expectativas, ou mesmo por problemas na gestão do fluxo de caixa de empresas e profissionais, interrompe não só um fluxo financeiro e contábil, mas também o fluxo da energia transformadora que, esperamos, chegará ao seu público para ajudá-lo a realizar um sonho para o qual o livro é um meio, mas não um fim.

Por isso, quando olhamos para planilhas de custos, contratos, fluxos de caixa, contas a pagar e a receber, precisamos ir além dos números e entender que todo o valor monetário que ali corre, além da sustentabilidade financeira empresarial, mapeia e direciona a circulação da energia que o livro e o esforço criativo concentrado de tantos artistas geraram. Por isso, cuidar do aspecto financeiro das operações da cadeia de valor do livro é só mais uma forma de visualizar o nosso cuidado com a energia que mantém vivo e motivado todo o nosso setor.

Assim, seguindo o exemplo da minha amiga taróloga, fica o convite: que tal, mesmo sem precisar escolher cartas, abraçarmos essa (pre)visão energética de futuro do nosso mercado editorial?

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