Ensaios

7 de outubro de 2018 – O renascimento de Lula

Hoje, 7 de outubro de 2018, enquanto milhões de eleitores se encaminham às urnas para definir o futuro do país, só há uma pergunta: quem imaginava no dia 23 de janeiro o rumo que o país tomou nesses últimos meses? Quem imaginava as guinadas que a história política do Brasil deu?

Primeiro foi a absolvição de Lula. No dia 24 de janeiro, por 2 votos a 1, Lula foi absolvido da acusação de corrupção passiva. Segundo os desembargadores que concordaram com a defesa, não havia provas. Apesar de todo o terrorismo das redes sociais, a expectativa de que o país fosse entrar em conflito não se concretizou. Óbvio, ocorreram alguns confrontos entre manifestantes contra e a favor de Lula, mas nada que indicasse um aquecimento das hostilidades já existentes. Os oponentes inclusive declararam que era melhor concorrer com Lula do que transforma-lo num mártir. A batalha mudou do campo jurídico para o eleitoral.

Com a sua absolvição a campanha para presidente realmente começou. Livre desse impedimento legal, o ex-presidente intensificou a sua exposição. Começou a percorrer o país e levar multidões atrás dele, tentando mais uma vez evocar a Coluna Prestes, inclusive através de uma aproximação com as forças armadas. Alguns analistas políticos começaram a criticá-lo e a vislumbrar que, numa possível vitória, Lula iria tornar as forças armadas mais atuantes na proteção dos seus “direitos” de governar. Uma ditadura eleita, era o termo usado para definir essa estratégia.

A oposição, ou melhor, as várias oposições a um presidente ainda não (re)eleito continuaram batendo cabeça umas contra os outras, enquanto Bolsonaro se consolidava como a única alternativa à volta de Lula. As pesquisas indicavam a possibilidade de um segundo turno, com uma chance razoável da eleição ser decidida a favor de Lula já no primeiro. Os apoiadores do ex-presidente comemoraram, mas eles não esperavam o que aconteceu no dia 3 de março.

3 de março. Um dia que, como na morte de Senna, todos lembram onde estavam. Um dia que todos recordam o que faziam quando ouviram a notícia do atentado.

Lula saía de uma reunião com correligionários em Recife quando um paranaense chamado Gustavo Lebre se aproximou do ex-presidente e desferiu 3 três tiros em seu abdômen e depois se matou, antes que os populares conseguissem para-lo.

Pelos relatos de conhecidos e de acordo com a investigação policial, Gustavo não tinha ligação com grupos extremistas, nem com partidos políticos. Como muitos nas redes sociais, era só uma pessoa que vociferava ódio contra o PT. Aparentemente o crime não foi planejado. Gustavo estava a trabalho na capital pernambucana e, depois de uma noite de bebedeira nas ladeiras de Olinda, comprou uma arma com bandidos locais e executou o crime. Não deixou nenhum registro das suas intenções. Como disse o delegado responsável pela investigação, “podia ser qualquer um de nós”. Qualquer um de nós.

Lula foi gravemente ferido, ficou por dois dias a beira da morte, mas resistiu. Em coma, mas resistiu. Isso gerou um rebuliço na corrida presidencial. Alguns tentaram buscar os votos que seriam de Lula, enquanto outros tentaram transformar o atentado em um indício do “desejo das ruas”. Mesmo com Lula aparentemente fora da disputa, a eleição continuava orbitando em volta de sua figura.

A confusão que já estava estabelecida desde a sua absolvição piorou. Marina e Ciro firmaram uma aliança para se contrapor a Bolsonaro que ainda tinha dificuldades de buscar aliados políticos, apesar dos bons resultados nas pesquisas. Além disso, os candidatos celebridades começaram a pipocar em partidos pequenos que buscavam maior exposição para eleger deputados e senadores.

O coma de Lula se estendia sem um horizonte. A mídia, depois de um mês acompanhando diariamente as declarações dos médicos, começou a deixar o ex-presidente de lado para se concentrar na eleição. Assim, no dia 4 de junho, Lula, sem aviso ou preparação, acordou, ou, como declararam alguns, renasceu.

Lula simplesmente abriu os olhos e sem demonstrar nenhuma sequela, no mesmo dia, ainda na cama do hospital, fez o seu pronunciamento pela união da nação.

Numa versão Youtube da Carta ao Povo Brasileiro, Lula conclamou a população a deixar as hostilidades de lado e buscar um meio termo para construir uma nova visão de país que fosse mais inclusiva, independente de orientações políticas.

As reações foram contraditórias. Enquanto alguns, mesmo entre os apoiadores de Lula, consideraram o vídeo apenas uma manobra política, outros, mesmo entre os que pediam a sua prisão, viram uma tentativa sincera de resolver a crise política que parecia interminável. Seja como for o vídeo foi um sucesso, desbancando até Simone & Simaria e Anitta do posto de vídeo mais assistido no Youtube.

As pesquisas eleitorais começaram a perceber uma migração de votos de Bolsonaro para Lula e de votos de Lula para outros candidatos de centro esquerda. Na classe política, a popularidade do vídeo gerou um movimento diferente fazendo convergir diversos oponentes em direção a Lula mesmo que fosse para “discutir como promover a tal união da nação”.

Apesar da fila de antigos aliados a sua porta, surpreendentemente, o primeiro político que Lula pediu para ver foi Bolsonaro. O encontro que era pra ser discreto acabou amplamente coberto pela imprensa, mas não ficou claro o que os dois principais concorrentes ao cargo conversaram. Uma semana depois, Lula anunciou, sem o aval do PT, que queria Bolsonaro como vice em sua chapa.

O racha que estava claro na população atingiu o PT, mas como já estava encerrado o período de filiação aos partidos para a eleição, poucos saíram do partido, temendo perder a oportunidade de concorrer. Um pequeno grupo, liderado por Suplicy, abandonou o PT e prometeu fazer oposição ao “casuístico e abjeto casamento” mas não conseguiu mobilizar a população.

Os demais candidatos começaram a buscar se unir embaixo de uma mesma bandeira mas as discordâncias eram muitas e enfraqueceram qualquer tentativa de oposição real. O beijo da morte veio no início de agosto, logo antes da campanha televisa, quando a chapa Lula e Bolsonaro apareceu nas pesquisas pela primeira vez como vencedora já no primeiro turno.

Frente a esse cenário, o governo executivo se adiantou e Temer se reuniu com Lula, informalmente iniciando a transição de governo antes mesmo das eleições. Nesse dia declarou-se a continuidade de Meirelles na Fazenda e um pré-ministério dividido entre figuras emblemáticas de grupos minoritários e de esquerda, e indicações retiradas de grupos conservadores e militares.

A campanha prosseguiu sob gritos quase inaudíveis de “Lula Golpista”, enquanto os memes dominavam o noticiário político, especialmente o pedido de desculpas público de Bolsonaro a Jean Wyllys no Altas Horas, em que os dois terminaram chorando abraçados.

Procurando preservar a sua vantagem e evitar levantar a incoerência patente da chapa, Lula e Bolsonaro não compareceram aos debates. No último, Ciro Gomes incorporou Brizola e implorou a população: “Vamos juntos dizer Não. Não! Escolha qualquer um, mas não escolha esses dois. Vamos dizer um não rotundo contra tudo o que eles fizeram com esse país nos últimos 16 anos, para que não soframos por mais 16.”

Mais foi inútil. Na última pesquisa do DataFolha, Lula e Bolsonaro tinham mais de 52% das intenções de voto no primeiro turno, tornando-os virtualmente os novos governantes do país.

O que viveremos agora? Não há como prever. Como não tínhamos como prever tudo o que ocorreu nos últimos 7 meses, não temos como dizer o que ocorrerá nos próximos dias quiça nos próximos anos.

Mas não considere que você está indefeso frente ao que virá. A resolução da mais surpreendente campanha dos últimos tempos depende simplesmente do que você dirá nas urnas hoje. E assim será sua também a responsabilidade pelo que ocorrerá nos próximos 4 anos. Por isso, não vote bem nem mal. Apenas vote com a sua consciência e com o seu coração. Não há mais nada que possamos pedir de você, Brasil, além da sua empatia e da sua inteligência. Que elas nos guiem para tempos melhores.

Bom voto.

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