Na época em que a gente podia viajar, eu costumava dar muitas dicas de viagem para amigos que iam conhecer lugares que eu já tinha visitado. Acabei esbarrando com um desses e-mails recentemente e me parece uma mensagem na garrafa enviada para o passado. Pra fins de saudosismo, vou começar a compartilhar esses relatos.
Se não podemos mais viajar pelo espaço, viajemos pelo tempo.
Não faça planos em NYC. Quer dizer, faça-os mas ignore-os. Mantenha apenas uma grande atividade por dia e caminhe para ela e dela para o hotel. No caminho encontrará coisas que nunca esperava. E quando descobrir, me conte. Como estou fazendo com você agora
Por falar nisso, onde vai ficar? Se não tiver marcado hotel recomendo o barato e bem localizado Chelsea Savoy. Operado por russos, é bem simples mas honesto.
Primeiro, os museus. Você acha na Internet uma lista com os dias em que eles são de graça. Não a usei. Achei mais do que justo pagar o que paguei. O Metropolitan foi o que mais me impressionou. É um programa de dia inteiro, caminhando pela história da arte. Assim como o Museu de História Natural. Mas, se tiver que escolher um, escolha o Metropolitan. O MoMA é armadilha para turista e não dá pra aproveitar direito. Um excesso excessivamente excessivo de pessoas tirando selfies com os quadros. Me pergunto se olharam para eles em algum momento. O Gugenheim é incrível e no caminho do Metropolitan. Pode ser uma dobradinha de um dia. Viste as galerias do Chelsea. Valem um dia de passeio com muitas descobertas interessantes e mais legais que o MoMa. Dois museus pouco badalados que realmente me interessaram foram o Museum of Sex (em cima de uma sex shop e de um bar) e o Rubin. Esse último é meu xodó. Um museu de arte religiosa do Nepal. Tem uma bela agenda de eventos, mostras e exposições. Lá, na véspera da chegada do furacão Sandy, vestido com uma camisa do Dude, ouvi Neil LaBute e Amee Mann discutirem o que é felicidade frente a uma platéia tensa com a chegada do Apocalypse. Ah, a livraria deles é muito boa. Para quem curte budismo.
Falando de livros… A Strand é o que há, mas as outras livrarias que encontrar pelas ruas também são boas e com bons preços que rivalizam com os sebos. Dentre as que me marcaram, destaco a livraria do partido comunista americano: Revolution Books. Mais como curiosidade do que pelo acervo. Nas ruas e no Highline (um belo passeio que comentarei mais a seguir) você encontra bancas de livros. Não se preocupe com as lojas. Os livros vão te encontrar em NYC.
Quadrinhos? Esqueça Forbidden Planet e as lojas grandes de quadrinhos perto da Times Square. Apesar de que a Forbidden é do lado da Strand e você com certeza vai passar nela. Para passar um bom tempo garimpando só recomendo duas: a JHU Comics e a Time Machine. A primeira foi a com perfil mais alternativo que encontrei em contraposição aos reinos de quadrinhos de super heróis das lojas maiores. O atendimento como não podia deixar de ser é desleixado e desrespeitoso. Pra nerd se sentir em casa. A Time Machine já um lance para tarados. Um sebo de quadrinhos, revistas de cinema e memorabilia. Uma portinha que leva a uma loja no segundo andar de um pequeno prédio. Parece até um antro para pervertidos e de certa forma é. O dono é um bom papo e encontrei coisas doidas lá como livros do Fu Manchu e do Doc Savage. Vale a visita.
Comer e beber em NYC é fácil. Fui bastante displicente nesse aspecto. Testava qualquer birosca e em raras ocasiões me dei mal. É óbvio que me afeiçoei a alguns lugares, mas sem motivos muito claros. Não sou, no fim das contas, um fanático por food porn. Costumava tomar café num diner na 23rd st chamado Malibu Diner. Um belo café da manhã e um clima totalmente NYC com clientes e funcionários amigavelmente se agredindo. Ia bastante cedo e sempre encontrava um grupo de cegos que davam um show quebrando copos e falando alto. Amacord perde. Para um jantar bom e barato visite o Les Halles, o restaurante do Anthony Bourdain. É bem em conta e na segunda feira o vinho ainda fica na metade do preço. É uma opção para curtir a Park Avenue. Como curiosidade cinematográfica visite o Katz. O sanduíche também é bom. Tem diversas cervejarias pela cidade, a Heartland Brewery, por exemplo, você encontra em cada esquina. Recomendaria uma no pier que realmente me cativou, a Chelsea Brewey, mas ela não sobreviveu ao Sandy. Uma outra opção muito legal é a feira de orgânicos na Union Square: Greenmarket. Dá pra tomar um belo café, assistir a apresentações non sense de artistas de rua e até levar algumas coisas para o hotel para beslicar depois. Não esqueça de comprar a cerveja Tundra se a encontrar. Pode parecer maluquice, mas recomendo visitar o Whole Foods também. Muitas opções de cervejas artesanais americanas. Além disso, coma na rua. Não pense em almoçar. Procure um bom guia com a indicação dos food trucks e faça como os NYers.
Coisas a visitar. Fugi dos passeios padrão. Não fui à estátua da liberdade, nem ao Empire State. A Times Square você acaba te sugando para lá como um buraco negro. É meio inevitável. Mas não tem nada a fazer não ser que queira assistir aos musicais, o que não fiz questão. Ah, nessa área, se tiver um coração brega como o meu, uma visita ao museu do Acredite Se Quiser é obrigatória. O Central Park é incrível e deve ser estudado com cuidado. Cada pessoa encontra lá o seu cantinho favorito. O meu é a estátua do Balto. Tudo por conta de uma frase no filme 6 graus de separação: “I was trying to figure out why there was a statue of a dog who saved lives in the Yukon in the middle of Central Park.”. Você vai encontrar o seu. E vários outros.
Dois programas imperdíveis são o Rocky Horror Picture Show no cinema Chelsea Boulevard, com a exibição do filme acompanhado de um grupo de atores; e ir a um show de stand up. Fui num no Gotham e me diverti horrores.
Ah, faça o passeio do High Line, parque surgido do descomissionamento de uma linha do metrô, e termine no Chelsea Meat Market. Lá tome uma sopa de lagosta com uma ginger beer. Perto há também um Bier Garten, como no Battery Park onde tem uma boa visão da estátua da liberdade. Esse pode ser o seu destino depois de fazer a visita obrigatória ao Ground Zero e passar as mãos nas bolas do touro de Wall Street. Confesso, que na hora só me lembrava de Moisés gritando contra os adoradores do bezerro dourado.
Com certeza esqueci de muita coisa que poderia te contar e provavelmente se me perguntar em outro momento darei outras indicações como minhas preferidas. Nova York tem esse efeito em você se sua preocupação for além dos outlets e das forever 21s da vida. Realmente amei a cidade e sempre tentei passar os momentos que estive lá sem a mente de turista. Se tenho uma dica, é essa. Seja natural, não tente esgotar a cidade. É inútil. Deixe ela se mostrar a você e saiba que você irá voltar. Como Copacabana, Manhattan é um dos corações secretos do mundo. Não é possível entendê-la, dissecá-la ou explicá-la. Deixe ela ser ela e deixe você ser você. Isso, não se engane, não é turismo. Está mais para um encontro amoroso.
Boa viagem