Olho para o que restou de 3 anos e 9 meses de trabalho: alguns livros, cds, crachás de eventos, contracheques e uma papelada terrivelmente inidentificável. Encaro a derradeira decisão: o que levar, o que deixar? Mais da metade disso, é óbvio, vai pro lixo. O resto coloco na minha mochila, presumindo que terá serventia. É um engano. Não terá.
Vou pra reunião em que anunciarão a minha despedida. Depois dos assuntos de praxe, o chefe pede a palavra:
– Agora um assunto fora da agenda- limpa a gargante. – Um dos caras mais criativos com quem trabalhei, não, na verdade, sem dúvida, o cara mais criativo com quem trabalhei está nos deixando.
O grupo não reage. Na minha fantasia teria gente rasgando as vestes. Sou criativo demais pro meu próprio bem.
– Esse cara,- o chefe continua- para quem a gente apresentava os problemas mais insolúveis e que, em dez minutos, arrumava uma solução para eles está indo embora.
O chefe bate no peito para representar que está com a voz embargada. É teatro, mas aprecio o esforço.
– Vai lá, cara- alguns se manifestam.- Fala alguma coisa.
Me levanto constrangido e vou para a frente do grupo. Olho a cara de cada um. Alguns amigos, muitos conhecidos, poucos, graças a Deus, desafetos.
– Vai, fala- clamam.- Tu vai pra onde?
Todo os meus planos de manter em segredo a maior parte do que iria fazer vão por água abaixo. Conto a empresa para onde vou, o cargo que vou assumir, a gerência em que vou trabalhar e a cidade onde vou morar.
– BH? -se espantam.
– É, BH.
A reunião termina e as pessoas, como num casamento, fazem fila para me cumprimentar. Parabéns, boa sorte, é uma perda, sei que vai se dar bem lá. Obrigado, valeu, eu sei, espero que sim. Algumas pessoas me abraçam, outras oferecem um aperto de mão, poucas me surpreendem e choram. É estranho descobrir que você vai fazer falta.
– E aí? Onde você vai pagar o almoço?
Rio amarelo e vamos prum galeto daqueles clássicos do centro da cidade. Linguiça, pão de alho, lembranças e cerveja. Bebemos e comemos o suficiente para não dormir sobre as mesas e voltamos pro trabalho.
Envio o e-mail de praxe avisando aos que não trabalham diretamente comigo que estou deixando a companhia. As respostas chegam rapidamente. Alguns vem a pé de suas estações de trabalho. Outros respondem à mensagem eletronicamente com ironias e deboches amigáveis. Algumas hipocrisias. Algumas sinceridades surpreendentes. A melhor de todas foi um cara que, ao saber, olhou para mim assustado e disse “Fudeu!”. A pior foi a minha desafeta número um batendo no meu ombro e desejando sucesso, longe dela.
Enrolo até o final do expediente e depois parto para o chopp regulamentar. Poucos e bons me acompanham. Livre das amarras da necessidade de manter o emprego, falo o que penso. Livres por estarem falando com alguém não poderá deixar escapar verdades inconvenientes, eles falam o que pensam.
O álcool sobe às cabeças e um a um os últimos companheiros vão abandonando o bar. De repente me encontro sozinho. Pago a conta como prometi e pego um taxi. No caminho o taxista pergunta:
– Pra onde?
– Pra BH.
– BH? Essa corrida vai ficar cara pra caralho.
– Botafogo, botafogo.
– Ah, tá.
O centro do Rio se afasta fisicamente de mim, o prédio onde trabalhei por tanto tempo começa a se desvanecer da minha memória e sinto uma certa inquietude. Estarei fazendo a coisa certa? Sim, sim. Não há dúvida. Nada reflete melhor o futuro do que o que acontece na despedida do passado.
Fim do Primeiro Ato. Plot Point.