Teresina. Fevereiro de 1996. Dois jovens cariocas de férias, que não sabiam mais se estavam saindo de um churrasco regado a cerveja ou indo pra um happy hour regado a uísque, caminhavam sem rumo pelas ruas ardentes e vazias da única capital do Nordeste que não é no litoral. Do nada, como sempre, uma chuva torrencial os atingiu. Um deles fez menção de correr, o outro o interrompeu:
– O que você tá fazendo, cara?
– Vamos procurar uma marquise, brother. Tá chovendo pacas.
– E daí, cara?
– E daí que vou ficar molhado.
– Tá bom, vai ficar molhado, mas sabe o que eu estava pensando?
– Sei não, brother.
– A chuva é tipo um cachorro, saca?
– Saquei, quer dizer, não saquei. O que você quer dizer?
– Saca só, o cachorro sente o medo da gente. Não sente?
– Sente.
– E quando ele sente o medo, como ele age?
– Sei lá, ele fica mais agressivo.
– Isso. Brabão. Quanto mais medo a gente sente…
– …mais bravo o cachorro fica. E daí?
– E daí? E se a chuva for que nem um cachorro?
– Não saquei.
– E se a chuva sentir o nosso medo?
– Saquei. Quanto mais medo a gente sente da chuva…
– …mais ela ameaça a gente.
– Então, o mistério é não ter medo da chuva.
– Isso aí. Não ter medo. A chuva é nossa amiga. Ó, dá até pra fazer carinho nela.
– É, dá mesmo. Aqui, chuva bonitinha vem que cá.
– Que onda legal.
– É mesmo. Tá chovendo pacas e quase não tô sentindo.
– Total. Porque a gente..
– …não tem medo da chuva.
– Isso aí. A chuva é nossa amiga.
– Saquei, brother. Matou a pau.
Diminuíram o passo e foram passeando com a chuva como fariam com um cachorro. Encharcados riam e agradeciam pela bênção de tê-la ao seu lado, felizes como um menino com seu primeiro animal de estimação. Do nada, como sempre, um raio assustador iluminou os céus do Piauí e, em seguida, um trovão sacodiu a terra com violência. Lembrando da teoria do cachorro, não se moveram. Finalmente um deles conseguiu falar:
– E agora, brother?
– O cachorro ficou louco, cara. Louco! Corre! Corre!
Fugiram catando cavaco até a primeira marquise onde poderiam se proteger. A chuva apertou e com muita dificuldade chegaram à casa da avó de um deles, que os hospedava, e evitaram a enchente que rapidamente tomou a cidade. Da janela da casa da avó observaram, com medo, o cachorro brabo, que fantasiaram poder domar, tomar conta das ruas e acabar com a sua diversão.
Os anos passaram, e eles nunca esqueceram da história do cachorro. Nem de levar guarda-chuvas ao menor sinal de céu nublado. O cachorro é nosso amigo, mas a prudência diz que há horas e horas pra brincar com ele.