E aí? Quanto tempo, cara! Caramba, que saudades. Quantos anos faz? 7, 8? E aí? Ainda está trabalhando lá naquele inferno? Sério? Achei que você tinha saído também. Todo mundo meio que saiu, né?, quando teve a demissão em massa. Que bom que você escapou. Aposto que teve que puxar um bando de sacos. HAHAHA.
É, eu saí antes, mas foi por conta de outras razões. Não sei se você lembra, mas o Amâncio não era muito meu fã. É, tinha aquelas reuniões particulares semanais de 3 horas. Você lembra? Ele me chamava na sala de reunião e ficava me descascando. HAHAHA, que engraçado. Teve uma vez, numa avaliação anual de desempenho, que ele inclusive disse que eu só tinha dois problemas: ser competente e bem articulado. Lembra como a gente chamava essas reuniões? Ao invés de feedback, era fodeback. HAHAHA, o Amâncio era uma figura mesmo. Um imbecil total, mas não era má pessoa.
E quando ele me demitiu? Você lembra? Minha filha tinha acabado de nascer, minha mãe ainda estava se recuperando do infarto e o país estava entrando naquela crise braba. O pessoal até achou que era o início da demissão coletiva. É, eu fiquei na maior merda. Tive que vender parte da minha biblioteca e mudar de estado, mas tudo bem. Acontece, acontece.
É, gastei a maior grana na mudança e até arrumei uma posição legal com a ajuda de uns amigos, mas logo depois deu a maior merda. É, eu estava naquela empresa que sofreu a investigação. Já viu né? A maior sorte… As coisas até iam muito bem lá, mas um ano e pouco depois cortaram todos os contratos de terceirização e fiquei desempregado de novo. E com os custos altos na casa nova, a filha pequena e a mulher sem trabalhar foi bem difícil.
Mas logo, logo, arrumei uma outra coisa. Bom, não era um troço, assim, legal, legal. Era um trabalho chato, temporário e com clientes difíceis. Aquele tipo de projeto feito para dar errado, saca? É, nesse não durei muito. Apesar de trabalhar pacas, uma das clientes encrencou comigo pois dizia que eu só trazia notícia ruim. HAHAHA, imagina só. Mas fazer o quê? Um projeto todo errado, subdimensionado e que nem a liderança achava que ia vingar. Já viu, né? Não deu sete meses, fiquei sem emprego de novo. Mas tudo bem. Bom, mais ou menos.
Tive que mudar para aquele apartamento vazio do meu pai, fazer uma reforma nele, cortar custos, botar a menina numa escola pior e tal. Eu até arrumei uns frilas, alguns legais, outros nem tanto, mas no fim das contas precisei consumir todas as minhas reservas. É, até o dinheiro da aposentadoria foi embora. No fim de 2 anos e meio, já estava com a corda no pescoço mas na última hora rolou um novo trabalho e agora está tudo bem. O emprego é bem legal e está tudo indo bem. Por enquanto. HAHAHA. Sabe como é, a vida.
E, você, como está lidando com a pandemia? Nós estamos bem. Pegamos CoVid mas foi tranquilo. Uns amigos não tiveram tanta sorte. Lembra do JM? Ele era ótimo, né? Uma comédia. Não sabia? Ele morreu, vai fazer um ano. É, sinto a maior saudade dele. Já tinha um tempo que ele não estava bem, mas é sempre difícil. Estou até pensando em fazer um documentário para recuperar as histórias legais que vivemos com ele. É, a vida é um apanhado de pequenas tragédias, mas tudo passa. Tudo passa. E ficam as alegrias. Como dizem mesmo? A comédia é a tragédia mais tempo? Então no fim das contas tudo também é tragédia se a gente tirar o tempo. HAHAHA, essa é boa, deixa eu anotar aqui.Tragédia igual a comédia menos tempo.
E você, o que conta? Tá com mais ou menos tempo pras tragédias da vida? Diz aí? Sério? HAHAHA, só você mesmo. É, vamos rir pra não chorar. Pra não chorar.