Como numa linha cruzada digital, vez ou outra, eu recebo e-mails destinados a duas mulheres que eu nunca vi na vida, uma americana e outra alemã. Aparentemente existe um sufixo googlemail ou algo similar que se confunde com o meu gmail e, pimba!, toda semana eu recebo mensagens direcionadas a elas.
Quando a confusão começou eu até tentei ser polido. Avisava que o e-mail veio pro lugar errado e evitava prestar atenção ao conteúdo. Mas, vocês vão me entender, era impossível não ler. Acabava que a gente, quer dizer, eu lia os e-mails e ficava imaginando suas vidas.
A americana se divorciando, sim, eu recebi os divorce papers dela; buscando empregos em diversos estados diferentes para refazer a vida, enquanto vivia um conflito intenso com o treinador de baseball do Mark, o filho dela. Seria essa uma relação de amor e ódio? Eu não tinha indícios suficientes para saber.
A alemã, provavelmente aposentada, sempre envolvida com diversos grupos beneficentes; reformando a cozinha, duas vezes; e tirando férias com a família nas Bermudas e no Tahiti. Dava quase para ver suas coxas brancas e reluzentes sob o sol inclemente de resorts cafonas ficando vermelhas como camarões cozidos.
Acabou que estabeleci uma relação. Não tinha como, nem queria, entrar em contato com elas, mas a gente, quer dizer, eu comecei a me afeiçoar e me preocupar com essas duas senhoras.
Ficava com raiva do técnico que não deixava o pequeno Mark jogar, da mesma forma que ficava preocupado com os custos altíssimos do mármore que ia ser colocado na cozinha. Mas ao mesmo tempo que sentia um tipo de, sei lá, carinho, eu me frustrava com elas, como quando a americana se inscreveu nos mailing lists da National Rifle Association e do Make America Great Again e a alemã recebia inúmeras mensagens da filha pedindo que a perdoasse; mensagens que, pelo jeito, mesmo que as recebesse, ela não iria responder.
Essa semana a nossa relação sofreu um certo choque. A americana recebeu um e-mail de um laboratório com um link para os resultados do seu teste de CoVid. Fiquei tentado a abrir, mas respeitei, pelo menos dessa vez, a sua privacidade. Será que ela está bem? Na hora lembrei que há muito não recebo mensagens para a alemã. Será que ela passou por essa pandemia incólume?
Assim, como parte dessa família de lgaertners, percebi como comecei a me solidarizar com essas mulheres sem rosto e que nunca irei conhecer. Porém, de mãos atadas, a única coisa que posso fazer é desejar é que me cheguem mensagens positivas sobre e para elas.
Que o pequeno Mark esteja arrasando como arremessador, que ela tenha conseguido mudar para um bom estado e que esteja num ótimo emprego. Que, em breve, ela possa receber na sua cozinha belamente reformada a filha para um jantar onde, depois de passarem pelo susto da pandemia, coloquem seus conflitos de lado e lembrem que mais importante que as mágoas passadas são os laços que unem a todos nós.
Mesmo que esses laços sejam apenas o mesmo nome de usuário numa conta de e-mail. Força, lgaertner.