O Editor Invisível

[oei#01] A fugidia identidade óbvia do livro

Pra começarmos esse processo de aprendizado sobre Edição e Gestão Editorial, seria importante, ou pelo menos de bom tom, tentar entender o que significa editar algo. É corrigir? É publicar? É imprimir? É financiar? É compilar? É guiar? Sim, é bem difícil definir, ou, melhor escolher o que seria a atividade do editor. Afinal, editar é tudo isso e muito mais.

Como bem colocado no livro Edição s.f. Um verbete expandido, distribuído gratuitamente pela editora Entretantas, a prática da edição (literária ou não) permite diversas visões e observações. Porém, como a edição cinematográfica ou musical, podemos dizer ela tem como principal função preparar, desenvolver e entregar uma obra para o encontro entre a intenção da pessoa autora e a percepção de seu público. É a edição, através de suas diversas etapas e funções, que viabiliza e permite que esse encontro ocorra. Um encontro que, no caso editorial, se dá no que costumamos chamar de livro. Assim, a pergunta que precisamos nos fazer, antes de definir o que é editar, é: o que é o tal do livro?

Livro, como amor, morte, conhecimento, e tantos outros conceitos claros e ao mesmo tempo fugidios, parece ser algo muito fácil de reconhecer porém quase impossível de definir. Na falta de uma clareza que vá além dos reducionismos dos dicionários, precisamos escolher estratégias de investigação.

Dá pra aceitar essa definição?

Podemos, de início, tentar uma visão histórica e, a partir dos primeiros registros humanos de arte rupestre nas cavernas, buscar o momento em que algo graficamente produzido começou a ser chamado de livro. Passaríamos com transições bastante fluídas do momento do papiro (vegetal) e do pergaminho (de origem animal) em forma de rolos, até os códices (iniciados em pergaminhos e depois finalmente em papel), passando pelos dípticos, com diversas visões discordantes sobre o momento mágico em que o livro nasceu.

Poderíamos também discutir a sacralidade do livro e a sua relação com a compreensão do universo como um livro escrito por Deus, como tratado por Alberto Manguel em O leitor como metáfora, ou tentar traçar a concepção do livro a partir da história do papel, discutida, por exemplo, no evento da Fundação Eva Klabin condensado no livro A Cultura do Papel, e como da devoção ao divino e ao inexplicável, pré prensa, o livro se tornou, pós Gutenberg, uma ferramenta de devoção à ciência e ao conhecimento.

Outra maneira de buscar uma definição seria trilhar os caminhos das boas práticas de mercado, das instruções normativas, por exemplo na NBR 6029:2006, ou legais, na Política Nacional do Livro. Porém, as mesmas não são concordantes entre si, nem suficientes abrangentes, pois atendem a diferentes propósitos que não a conceituação ontológica do livro que buscamos.

Outros caminhos sem saída igualmente reducionistas seriam buscar esse “ser” do livro a partir dos seus temas via a Classificação Decimal de Dewey, ou nos debruçar sobre a economia da sua cadeia produtiva, ou sobre o seu processo de produção industrial ou artesanal, cada vez mais mutante e fluído, ou mesmo sobre a análise e categorização das suas partes constitutivas descritas na NBR 6029, igualmente traiçoeiras e mutáveis.

Frente a tantas dificuldades, talvez, o caminho seja, em vez de buscar uma definição sobre o livro, como num Koan, tentar atingir a sua compreensão sem palavras. Assim, dizer que o livro é um objeto (físico ou não), móvel, mas nem sempre portátil, que se presta a ação da leitura, pelo indivíduo que o porta, ou por outro, no caso dos áudios livros, seria tão (in)adequado quanto dizer que livro é simplesmente um troço feito pra gente ler.

Uma definição tão boa quanto qualquer outra

Especialmente, pois, se precisamos dar toda essa volta e descobrir o que é o livro para definir o que é editar, precisaríamos também entender o que é ler para entender o que é o livro. Ou poderíamos simplesmente deixar tudo de lado e fazer como os chineses que usam a mesma palavra tanto para livro como para ler: SHU.

Melhor relaxar e não nos preocupar, então, com o que livro é ou não é, mas, sim, nos dedicar ao que livro pode ser. Aí, sim, a sua indefinição deixa de ser angustiante para se tornar realmente sedutora. E, talvez, o próprio exercício de editar seja só isso: o constante quebrar e reconstruir as definições do que o livro pode ser.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.