Ficção

Livre. Nunca. Mais.

Acordou resoluto. Já não tinha mais nada a perder. Faria o que lhe desse na telha. Consequências, boas ou ruins, nada significavam ; não eram ganhos, nem perdas; eram apenas experiências.

Mal levantou da calçada, foi interpelado por um policial. Não lhe deixou terminar a sua cantilena agressiva. Não tinha culpa, nem medo para lhe orientar as ações, então lhe deu um beijo no rosto e um abraço fraterno.

Deixou o policial boquiaberto, para embarcar num ônibus que chegava no ponto. Entrou pela porta da frente e pediu carona ao motorista. Recebeu de volta uma risada e um chute na barriga que o jogou de volta à rua. O motorista, ainda rindo, arrancou o ônibus, e saiu atirando impropérios.

Não se deixou abater, e caminhou, mesmo sem saber pra onde ir. Na quarta esquina resolveu parar. Ir ou não ir significavam a mesma coisa. Então, para que andar? Sentou embaixo de uma marquise, fechou os olhos e, mesmo não estando cansado, dormiu.

Os sonhos lhe escaparam enquanto as pessoas desviavam dele na rua. Não era um objeto, nem um agente; estava se tornando apenas um elemento do ambiente.

Quando acordou, já era noite. Na rua vazia, um grupo de jovens, ao mesmo tempo ameaçadores e frágeis, se aproximou dele com pedaços de pau e garrafas. Sem dizer uma palavra, começaram a espancá-lo.

Ele não reagiu. Viver ou morrer nada significavam. Tudo era o mesmo. Tudo era diferente. Estava, enfim, imune às expectativas das consequências. Da vida? Talvez.

Sua visão foi se tornando cada vez mais vermelha e turva. Sentiu o ar lhe abandonar pela última vez, e sorriu um sorriso sem dentes. Finalmente estava livre, como tudo o que nada quer.

Feliz, triste; não fazia mais diferença. Não fazia. Mais. Nunca fez. Nunca fará. Nunca. Mais.

Livre.

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