O Editor Invisível

[oei#11] A prejudicial mítica do livro à experiência do leitor

Como há a reunião que poderia ser um e-mail, há o livro que poderia ser um post num blog. E isso não é de forma alguma um julgamento (negativo) de valor. É apenas a constatação que certos conteúdos, temas, e estruturas seriam melhor trabalhados e teriam maior impacto, cognitivo, estético ou emocional, em formatos diferentes.

Porém não podemos escapar do fato que o formato do livro carrega um valor simbólico de status. Afinal quem escreve e nunca teve nada publicado, em formato físico, sem ser por auto publicação, até hoje sofre dificuldades de se justificar socialmente como autor. O livro é uma espécie de gate para definir quem tem o direito de se dizer (ou não) um escritor.

No início dos anos 2000, numa mesa da Paralelos numa Primavera dos Livros, alguém falou que a Internet era uma espécie purgatório para os escritores. Por melhores e mais adequados ao modelo digital que seus textos fossem, eles nunca teriam o devido valor aos olhos dos “formadores de opinião” se não quebrassem a barreira do livro. Foi assim que muitos blogueiros brilhantes se tornaram autores medíocres. No entanto, inquestionavelmente autores.

Às vezes até uma palestra mais ou menos sobre a ressignificação do “porquê” gera dois livros…

Por essas e outras é que excelentes palestras, em especial as TED Talks, que brilham em formato de performance, obrigatoriamente se tornam livros de 200 páginas ou mais, na sua maioria chatos, que nada agregam ao conteúdo e, algumas vezes, nos fazem até odiar os palestrantes. Eles poderiam se negar a publicar? Claro, porém, para ganhar a tal da respeitabilidade que o papel do autor confere ao palestrante, o livro inspirado na palestra precisa, para o mal de todos, existir.

 

E com isso todos perdem. Os autores que veem suas criações circularem em formatos subótimos, os leitores que não podem aproveitar as obras nos formato onde receberiam maior impacto, e até o mercado que, apesar de ganhos imediatos mas curtos, perde a oportunidade de criar novas formas de atuação.

Essa semana, esbarrei com um desses casos.

 

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A livraria Janela em parceira com a editora Mapa.Lab tem publicado nos últimos tempos uma série de plaquetes bem interessantes. Dentre elas, uma, #TBT de Bianca Ramoneda, me chamou particularmente a atenção. É uma série de textos curtos de prosa poética fazendo uma jornada memorial a partir de uma reflexão sobre as fotos de família da autora. O livro é bem interessante, mas a todo momento a impressão é que o formato não é o mais adequado. Como o próprio título sugere, os textos tem o gosto de legendas de fotos de Instagram. Por que não lançar os textos nesse formato se com certeza eles ganhariam mais impacto?

Há várias dificuldades para isso: os modelos de negócios engessados, os canais usuais para chamar a atenção para a publicação, e o próprio público que não conseguiria, por questão de costume, entender a singularidade da obra num formato não tradicional. Mas, confesso, adoraria que a autora, que trabalhou tão bem com a transição dos formatos de poesia, prosa e teatro nos anos 90, colocasse o texto numa série de postagens no Instagram com as fotos que o inspiraram.

Sim, a ubiquidade do livro enquanto o formato pode trazer várias facilidades para a disseminação do texto, mas também carrega um legado nem sempre positivo quando esse texto precisa de um formato pouco usual para atingir todo o seu potencial.  Mas ainda há uma esperança para os novos formatos, o único problema é que ela precisa de tempo e paciência para florescer. É só lembrar o quanto de tempo que levou para a obra do Profeta Gentileza ser valorizada como mais que pichações esquisitas de um pregador excêntrico na zona portuária. Só a gentileza com os novos formatos irá gerar a gentileza do leitor. Mesmo no viaduto do gasômetro.

Quem pode dizer que não é literatura?

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