Nos seus últimos momentos, a vida toda, ao contrário do que dizia o senso comum, não lhe passou pelo olhos; mas foi quase isso. O que ele viu foi um trailer insosso e cheio de spoilers, resumindo o que ele nunca entendeu sobre si mesmo. Pra começar, o amor dos pais lhe foi justificado por questões biológicas, químicas, e comportamentais, totalmente reforçadas pelo hábito e pelos ritos sociais. Seu primeiro amor, descobriu, nunca foi verdadeiro, mas apenas fruto da conjunção da elevação da carga hormonal da adolescência com uma dose exagerada de romantismo de segunda geração. Sua carreira, coitado, nunca foi uma escolha, mas uma série de coincidências misturadas a preguiças e omissões. Seus sucessos, tão vangloriados como conquistas, apenas um misto de sorte e oportunidades não tão bem aproveitadas o quanto poderiam. Seus fracassos, fontes intermináveis de sofrimento inútil, nada mais que a consequência de desejos totalmente justificáveis que escondia de si mesmo. Enfim, tudo a que deu importância não passou de ilusão; porém, tudo que ignorou também não era diferente. Enfim, a vida, se é que ela podia ser chamada assim, era só uma ilusão. Ao invés de lhe desesperar, essa revelação lhe apaziguou: quando não há nada além da ilusão, o que podemos chamar de real? Quando tudo é ilusão, ela não se torna real? Intrigado, e surpreso, pelo paradoxo, riu baixinho, deu seu último suspiro, e descansou feliz, desejando que tivesse descoberto essa verdade, ou, quem sabe, mentira, antes. Ascendeu.