Semana passada, a discussão que mobilizou os book tubers foi a aprovação da lei Cortez na Comissão de Educação do Senado. Por incrível que pareça, apesar de todos eles começarem seus discursos alertando o público para não acreditarem nos falsos “paladinos” que estão se propondo a salvar as livrarias pequenas contra o monopólio da Amazon, só ouvi comentários contrários à lei. Onde estão os tais defensores da lei de quem eles tanto falam?
Aparentemente não no You Tube, já que os próprios influenciadores do livro não teriam como se colocar contra quem é o maior financiador dos seus próprios negócios. Apesar desse óbvio conflito de interesses, não dá pra negar que eles tem razão em parte dos seus argumentos. O projeto de lei não é uma solução boa para o problema que ele se propõe a resolver, pois o paciente (a cadeia de valor do livro) pode estar doente demais para receber o tratamento, não ter uma estrutura sólida que consiga ser salva, e o suposto remédio vai gerar impactos que virão como um boleto cruel para o próprio público leitor pagar. Em suma, a lei tem tanto efeito colateral que pode até matar o paciente que diz querer curar.
Mas isso não quer dizer que o problema não exista. Sim, a Amazon tem o monopólio da venda de livros, aqui e em outros países, alcançado por práticas de dumping e pela excelente cadeia de distribuição com a qual consegue atender lugares onde não há (e não haverá) livrarias por muitos anos. Por isso, sim, é importante fazer algo a respeito, mas defender a lei como ela está é atender a uma bolha privilegiada que tem acesso a livrarias e dinheiro para comprar nelas.
Eu sou um desses privilegiados. Só no meu bairro temos 4 sebos e uma livraria. No quarteirões em volta do meu trabalho tenho acesso à quase 10 livrarias, tanto de novos, como de usados. Para mim não seria esforço aderir a lei, sendo que já faço conscientemente a escolha de comprar nesses espaços, em detrimento da Amazon, que só uso quando não encontro os livros nelas.
Porém, como dizem, a lei deveria ser para todos e, como a tendência dessa é prejudicar a maioria, em especial o público de baixa renda que gosta de ler, vive longe dos grandes centros, e não tem acesso a livrarias, ela não é uma boa lei. Ou seja, a lei Cortez não resolve o problema e ainda pode afastar leitores, gerar queda de renda para editoras, prejudicar seu fluxo de caixa, e promover a pirataria no caso dos livros digitais.
O que fazer? Não sei. Ações globais e “radicais” num país desigual e de proporções continentais nunca dão resultados bons ou duradouros apesar de serem bons alertas para problemas reais. Sei que pode parecer ingenuidade, mas ainda acho que as ações pequenas e localizadas, mesmo que de alcance menor e mais lentas, podem resolver melhor a questão a longo prazo.
Na minha opinião, o erro da lei é tentar competir com o monopólio no que ele é melhor: preço e distribuição. O que deveríamos, lei ou não, é nos esmerar no que as livrarias tem de melhor e de essencial: a construção da comunidade, algo que a Amazon, apesar de todo dinheiro gasto com book tubers, book tokers e avaliações, nunca conseguirá fazer.
As livrarias à minha volta fazem isso. Elas se aproximam dos seus leitores, com shows de samba e de rock, cursos de reparo de livros e filosofia, eventos de contação de histórias e debates com escritores locais. Afinal, o negócio da Amazon é vender (e entregar) o livro como commodity, enquanto a função da livraria é, ou, pelo menos, deveria ser, apoiar e fomentar a comunidade de leitores.
E o que você pode fazer a respeito? Quando chegar o dia 4 de novembro e seu dedo nervoso estiver ansioso pra consumir o que quer que seja que a Amazon esteja vendendo com descontos predatórios na Black Friday, vá às livrarias da sua cidade, às suas bibliotecas, e, se não houver nada disso, se reúna com seus amigos leitores, e celebrem o que nos une: o amor pela leitura. Afinal o que nos torna leitores não é comprar, é ler. Deixe o consumo desenfreado motivado por aparentes preços baixos para os acumuladores, nós merecemos mais.
Posner argumenta que monopólios podem ser bons se o resultado final é um preço melhor ao consumidor. Alias isso e a justificativa a diversos monopólios estatais. Pessoal fica com discurso europeu sem entender que vivemos num pais continental sem os meios automotivos. Na Europa ou nos EUA você de fato esta sempre a 15 minutos de uma livraria. A solução aqui é digital ou via delivery. Se discutia isso desde que entrei nos Correios lá em 2000. As livrarias que restarem serão que nem as lojas de vinho. Serão centros de curadoria e inovação. Agora de Bibliotecas Publicas, que nos EUA representam 30% das vendas das editoras, modernas e acessíveis, isso ninguém fala. Só a cidade do Rio, considerando uma biblioteca a cada 100 mi habitantes, há espaço para 60-70.
E se o governo tivesse um aplicativo que fosse uma biblioteca virtual? Onde os leitores acessassem virtualmente como no Kindle uma biblioteca onde leriam os livros previamente comprados pelo governo num limite de livros que pudessem ser acessados?
Talvez um maior investimento em bibliotecas públicas fosse um caminho melhor para a formação de leitores e diversidade de títulos, mas enquanto isso a prefeitura está entregando as nossas poucas ao SESC.
O governo estadual de São Paulo já tem isso: https://www.biblion.org.br/ Inclusive fazem várias iniciativas (algumas virtuais, outras presenciais) de formação de comunidade. É um bom exemplo a copiar.