Talvez nenhuma imagem represente melhor o trabalho editorial que a atividade, de preferência analógica, de preparação de textos. Uma imagem em preto e branco de uma pessoa com os punhos das camisas enrolados até os cotovelos, à sua frente pilhas de papéis rabiscados espalhadas sobre uma mesa, no seu rosto um olhar concentrado e um tanto quanto enlouquecido que prenuncia o nascimento de ideia que irá reformular o mundo.
Um texto antes de se tornar um livro, passa por várias leituras: no recebimento de originais; na escolha do investimento do publisher na obra; na definição do projeto e de sua equipe pelo editor; mas é na mão do preparador que temos o point of no return em que o texto irá passar o limiar do manuscrito indecifrável e desconhecido para definitivamente se tornar um livro. É o trabalho transformador e aparentemente solitário do preparador que coaduna a vontade de poder do autor com a expectativa de receptividade do público para tornar esse encontro numa experiência, se não mítica, pelo menos memorável.
O texto está conforme às expectativas do investimento e de imagem da marca da editora? O texto fala de forma, ao mesmo tempo, adequada e surpreendente com o seu público? De que alterações o texto precisa para atender as ambições do autor que o concebeu? As respostas a todas essas perguntas que o preparador se faz e faz ao autor por meio do seu texto irão definir o destino da obra e de como ela irá alcançar seus leitores.
Por ser o palco do encontro de tantas expectativas, o trabalho de preparação não é uma simples revisão ou leitura crítica, é um trabalho de relacionamento. É necessário, como uma casamenteira, se colocar em diversos papéis diferentes e mediar, através das sugestões sobre o texto, as conversas entre autor e editor, entre editor e público, e, finalmente, entre o objeto de todo processo editorial, a relação entre o autor e o público. Preparar textos é se mimetizar e se relacionar, tornando-se um com a editora, com o leitor, com o autor, e, nessa intersecção entre tantas identidades, encontrar o espaço e o texto exatos onde tudo se alinhará.
A verdade é que toda leitura é uma preparação de texto, porém apenas o preparador de texto a faz no momento certo de sugerir as mudanças que de fato irão impactar na obra final. As demais, podem ser ricas e profícuas, mas não darão a quem as faz o papel secreto, cheio de responsabilidades, mas honroso de co-autor. Se o editor é invisível, o preparador o é em dobro. E é a sua invisibilidade que concede ao texto e ao autor a visibilidade que merecem. Há trabalho mais gratificante que esse?