O Editor Invisível

[oei#20] A homogeneização das publis e dos clientes das livrarias de usados

No final do ano, Maurício Gouveia, amigo dileto, antigo sócio, e fundador da Baratos (antigamente da Ribeiro), mandou uma mensagem super lúcida, como é do seu costume, sobre livrarias e estratégias de divulgação na Internet. Merece ser lida na íntegra, mas em resumo, para fins dessa discussão, ele nos lembrou o quanto a internet, de promessa de espaço público virtual, se tornou o lar de meia dúzia de latifúndios de bilionários que mantém toda uma cadeia produtiva como reféns.

Poderia até parecer hipocrisia ou uma reclamação no vazio, considerando que somos (quase) todos moradores dessas sesmarias digitais, mas ele pode falar com propriedade. É dono de um dos poucos sebos que conscientemente não vende na Estante Virtual, e não aceita reservas de livros, ou mesmo informa preços, pelo Instagram. Num universo em que as pessoas não saem de seus espelhinhos digitais para nada, é um ato de coragem.

A maioria dos sebos, inclusive os de outros amigos, precisaram aderir às práticas das redes para atrair seu público e, curiosamente, seguem as mesmas estratégias de marketing digital usando um funil de venda baseado no processo de urgência artificial. Ele funciona assim:

1. Primeiro se mostra uma pilha de livros, com o propósito de estimular o instinto de caça do bibliófilo.

2. Depois se mostra o livro em detalhes e sozinho, em alguns casos, com o preço, gerando a sensação de raridade e oportunidade.

3. Por fim, segue o convite divertido, direto, ou fofo, pra fechar o negócio.

Todos os exemplos acima vêm de sebos que muito admiro (Alento, Jacaré, e Berinjela) e que, apesar de serem bem diferentes no acervo, atendimento, e relacionamento com os clientes, parecem se homogeneizar quando adentram os reinos de Zuckerberg, Musk e cia. Quem não os frequenta poderia cair no erro de imaginar que são iguais. Não são. Muito pelo contrário.

Essa realidade que o Maurício explicita na sua mensagem me parece falar muito mais sobre como o comportamento dos clientes (ou da sua maioria) é previsível e padronizado do que sobre o comportamento das livrarias. Não foram elas que tornaram os clientes essas máquinas imediatistas de consumo, elas estão apenas adotando as estratégias, suportadas pelas redes, que, sim, funcionam para mexer com as nossas cognição e motivação.

Elas chamam a atenção dos leitores com seus objetos de desejo, geram a sensação de escassez irreal, e promovem a competição pela presa, numa corrida ansiosa por ser a primeira pessoa a reservar o livro. Caso básico de condicionamento clássico e operante conjugados. Não são os livreiros que funcionam da mesma maneira, somos nós, os clientes. Compramos com pressa e tensão, e, consumidos pela inveja do desejo mimético de René Girard, ambicionamos ter algo que não queremos que outros tenham.

E por que não podemos ser diferentes? Por que não podemos simplesmente ir às livrarias e, em vez de desejar o que nos é oferecido de forma neurologicamente maliciosa, descobrir algo novo e inesperado para ler e pelo que iremos nos apaixonar? Por que não podemos quebrar esse ciclo e sermos os clientes e leitores melhores que as livrarias merecem e precisam para sobreviver?

Muitas vezes o que procuramos não é o que precisamos. Muitas vezes precisamos mais visitar as livrarias do que consumir. Então, vamos deixar os armazéns robotizados, funis de vendas, e comportamentos automatizados para a Amazon, e, seguindo o conselho do Maurício, aproveitar a plenitude das livrarias como mais do que um simples lugar de comércio, mas ,sim, como um lugar de encontro.

Encontro com outros leitores, livros, livreiros, ideias, e emoções. Afinal o que é ler senão encontrar um outro por meio de suas palavras através do tempo e do espaço? As livrarias não poderiam, então, ter outra missão que não essa: proporcionar encontros. Então, rejeitemos os nossos instintos primais dos quais as redes sociais se aproveitam, e vamos nos encontrar com nós mesmos no local onde tantos livros e histórias nos esperam: nas livrarias físicas.

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