A discreta ida do amigo, que não conheci, mas nunca foi

Não me lembro da primeira vez que te vi, ou li. Foi como se você sempre estivesse lá. Pra dizer a verdade, depois que você já fazia parte do meu dia a dia, nas crônicas semanais e nas tiras diárias das Cobras do finado Jornal do Brasil, foi que percebi que você também estava escondido na coletânea QI 14 que circulava pela minha casa desde que nasci. Ou seja, você não só sempre fez parte da minha vida, como mesmo antes que me desse conta disso, você já estava lá.

Com o passar do tempo, para onde eu ia, eu esbarrava contigo. Nas tiras do Ed Mort e nas páginas em quadrinhos do Analista de Bagé na Playboy, na subversão surrealista da TV Pirata, e até na sua primeira tentativa romanesca, claramente tímida e envergonhada das possíveis comparações com a obra do seu pai Érico, bela e épica, mas diametralmente oposta à sua, leve e delicada.

Quando deixei de ser criança, você me acompanhou. Virou o texto padrão a ser usado nas questões do vestibular, e as suas criações deixaram as páginas para virarem cultura e ditos populares, que todos repetiam mesmo sem saber de onde vinham.

Quando A Comédia da Vida Privada tomou a TV, eu, imagino, como você, comemorei. A exibição esplendorosa da sua timidez em rede nacional era uma vitória para você, o autor, e para nós, leitores, que não simplesmente fomos entretidos, mas também criados por você. Mais do que um humorista, você era a nossa babá inteligente, discreta e hilária.

Mas, como acontece em todas as amizades, em algum momento começamos a nos distanciar. Eu mudei de interesses, busquei outras visões talvez por simples variedade, enquanto você se tornava, mais que um autor, uma marca. Foi também nessa época que você migrou para O Globo e, aparentemente, exaurido de tudo o que tinha nos entregue em 2 décadas de produção consistente e frenética, parou de criar e passou a praticar o esporte mais rasteiro das Olimpíadas literárias: a opinião.

Nos afastamos, e, confesso, não mais o procurei. Porém suas memórias e ideias antigas não me deixaram. Vez ou outra te via numa antiga edição do Para Gostar de Ler, ou num álbum perdido da Família Brasil, que era copiado em tantas obras que, como tudo alardeado como novidade no humor, parecia ser apenas mais uma derivação do que você criou. Enfim, ao mesmo tempo em que você sempre esteve lá, você lá continuou, mas, dessa vez, como preferia, escondido, discreto, como a origem de toda piada bem contada deve ser.

Ontem você nos deixou, mas foi como se já tivesse ido há muito tempo. Nesse paradoxal truque de mágico de estar e não estar, parece que nada mudou. Ao mesmo tempo em que você, aqui, não está, você, em todos os lugares, não deixará de nos acompanhar. Afinal, se a literatura brasileira não passar de uma galeria em Copacabana, tenha certeza, o seu escritório estará lá reservado para sempre com seu nome. Veríssimo. Luis Fernando Veríssimo. Está na plaqueta. E, pode ficar tranquilo, dessa vez não roubarão a plaqueta.

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