Ensaios

A educação de Michael Scott

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Michael Scott, puro ID apoiado por um sistema falho que o empoderou

Michael Scott tinha um problema. E era exatamente aquilo que, na sua opinião, o fazia “melhor” que os outros. Alçado, sem razão clara, a uma posição de pequena autoridade, ele acabou por tornar todas suas idiossincrasias em leis, regras e ética. Era ID puro, sancionado por um super ego fraco e comprometido. Se ele tinha sido alçado a essa posição, tudo o que ele fizesse estaria certo, certo?

Errado. Mas ele não percebia isso. Por isso os pequenos erros, que poderiam ser resolvidos com duas colheres de reflexão e um xícara de “desculpe, não vai acontecer de novo”, escalavam a tal ponto que o poder que o justificava precisava interferir e o salvar. Afinal de contas, ao culpá-lo, aqueles que o alçaram a essa posição de autoridade estariam assumindo a sua própria incompetência. E isso o sistema não podia fazer.

Por isso, ele ia sistematicamente testando todos os limites de pessoas, empresas e sistemas de crenças. Ele estava protegido. Enquanto vivesse num mundo onde pudesse se outorgar o título de Melhor Chefe do Mundo comprando uma caneca, ele estaria bem. Mas isso só não era suficiente. Ele queria mais. Ele precisava de outros sinais de poder. A mulher loira. Várias mulheres loiras. Ele precisava mostrar que era amado. Ele precisava que os outros acreditassem que ele era bonito, engraçado. Era preciso ser famoso. Por isso se voltou à atuação. Qual melhor profissão para alguém que precisa de afirmação externa para sobreviver do que a de ator? Não importa quem você é, mas que você pode ser todos os outros, menos você mesmo.

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Amor pelo medo. Vale tudo para suprir a sua carência.

E ele tentou, só que a vida lhe deu lições que ele não pôde ignorar. Ele percebeu que falhava no papel de homem de família, ao não conseguir lidar com seu sobrinho que contratou como estagiário; ele percebeu que falhava no papel de amigo, ao ter que lidar com Packer, que idolatrava mas, na verdade, era um imbecil; ele percebeu que falhava no papel de chefe, ao ser passado para trás por Gabe, Darryl e qualquer outro que mostrasse um pouco de autoridade; ele percebeu que até no papel de ator ele era uma farsa, ao mostrar seu filme caseiro a seus amigos e sentir que riam dele e não com ele. E só então ele conseguiu se libertar e rir de si mesmo. Ao encarar suas deficiências, ele estava livre.

Ele descobriu que estava atuando no papel de ator, que estava atuando no papel de namorado, que estava atuando no papel de pai, que estava atuando no papel de chefe. E nenhum desses papéis era ele. Nesse momento ele estava livre para ser ele mesmo.

E, assim, ele estava pronto para ir embora. Michael Scott tinha crescido. Encontrou e preparou um substituto. Apresentou seus últimos Dundees e criou a sua tradição. Estranhamente, ao se libertar do seu papel, tudo o que ele criou ganhou autenticidade e valor. Seus filhos, sua equipe, precisavam agora crescer sozinhos. Talvez os filhos só possam se tornar autônomos, quando os próprios pais se tornarem. Todos estavam crescendo. E Michael tinha feito a sua parte. Assim terminou a educação de Michael Scott.

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Bem intencionado dentro do possível

Só queria saber o que aconteceu com ele no Colorado. Não, melhor não saber. Sua vida não é mais nossa propriedade. É preciso respeitar o seu direito de viver a própria vida. Talvez esse seja o seu legado mais importante: saber que só estaremos  livres para sermos nós mesmos quando pudermos rir de todos os nossos ingênuos papéis. Obrigado, Michael Scott. Dessa vez, não estamos rindo de você, mas com você.

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