De abril a julho de 1989 houve uma suspensão da realidade. Eu tinha 14 anos, estava apaixonado pela primeira vez, e os professores particulares entraram em greve. Durante dois longos e prazerosos meses, por razões fora do meu controle, eu estava liberado de todas as minhas responsabilidades apenas para existir.
Eu acordava cedo, tomava café com meus pais, mas no meio da manhã a casa já estava vazia só pra mim. Naquele vácuo entre a infância e a adolescência, eu precisava lidar com o tédio de não ter mais interesse de assistir à Xuxa, a não ser ocasionalmente pelas Paquitas, e ainda não existir a MTV Brasil pra embotar a minha sensibilidade. Sem opções, eu relia os quadrinhos que comprava na banca da esquina; fazia personagens e aventuras de RPG; lia pedaços de livros que não eram pra minha idade; e, deitado no sofá, curtia minha pequena coleção de vinis, em especial Cosmic Thing do B-52s que rodava continuamente na vitrola.
No início da tarde, depois do almoço, os colegas que moravam nas proximidades, também sem ter o que fazer, apareciam. A gente ouvia um pouco de música, e ia passear pelas ruas sem destino ou, como costumávamos dizer, “easy rider”. Fazíamos o tour das locadoras de vídeo, passávamos no sebo de discos na galeria hollywood center, comprávamos algo nas lojas americanas, e encerrávamos a tarde no Mister Pizza do São Luiz com uma fatia de frango com catupiry com Coca Cola.
No início da noite eu ia pro curso de inglês onde eu não aprendia nada, pois já sabia toda a matéria, e descobria que nada sabia da vida ao ver a minha musa da quase adolescência. Ao contrário do que possa parecer, do alto do pedestal que eu criei, ela não me desprezava. Pelo contrário, era muito educada e gentil, mas só. Eu mesmo não sabia o que esperar ou desejar. Hoje, sei, sonhar, sofrer e escrever sobre ela com certeza era muito melhor do que qualquer relacionamento que poderíamos ter. Mesmo inconscientemente, eu sabia que a vida não era uma comédia romântica adolescente, e o nerd de 14 anos nunca saberia lidar com a menina bonita e madura de 15 no final de um filme que nunca acaba.
Assim, apaixonado e frustrado, a condição primordial da humanidade, eu saía do curso de inglês e ia me reunir com os amigos novamente. Pra jogar tarot, falar mal de uma vida que ainda não tínhamos vivido, ler as poesias que escrevíamos uns para os outros, assistir programas ruins de TV e esperar, sem pressa, por esse momento passar. Não éramos budistas mas tínhamos plena consciência que aquele momento era passageiro e que tudo o que nos restava era aproveitá-lo ao máximo sem angústia ou ansiedade a respeito de quando ele ia terminar.
Hoje, mais de 30 anos depois, só restou a angústia que não sentíamos, o medo do que vai acontecer amanhã e a culpa pelo que não fizemos ontem. Porém, em certos momentos mágicos, quando a noite já acabou e o sol ainda não nasceu, eu me sinto naquele período, eu me sinto naquela janela de topázio da realidade entre abril e julho de 1989, e sorrio, com a esperança de que tudo que é bom, mesmo que passageiro, uma hora vai voltar. E ouço, na minha mente, os B-52s cantando num eterno e fugaz loop.