A menina no espelho

Toda noite, um pouco antes da hora de dormir, ela se colocava na frente do espelho, pendurado atrás da porta do seu quarto, para tentar mais uma vez se decifrar. Olhava pro seu rosto como se olhasse para uma desconhecida, perguntando-se se ela era atraente ou não. Sim, sim, respondia a si mesma, com um sorriso de canto de boca, quase querendo não acreditar no que dizia.

Fingindo ainda não estar convencida, se inspecionava da cabeça aos pés, em busca de uma verdade que sabia nunca poder encontrar. Começava pelos cabelos, pretos e curtos na altura dos ombros, que lhe davam um ar jovem apesar de não tanto quanto gostaria, nem tanto quanto ela poderia aparentar. Seus olhos, escuros, eram firmes e seguros, guardando a sua inexperiência e inocência para poucos que um dia viriam, ela esperava, a merecê-la. Do torso coberto por sua longa camiseta de dormir, que escondia as formas que, sabia, um dia, provocariam paixão e saudade, ela corria seus olhos para suas coxas, tenras e bronzeadas, que respondiam com eletricidade estática ao delicado deslizar dos seus dedos. Os joelhos, feios, sempre eles, pareciam duas velhas rabugentas, rememorando com amargura as coxas que um dia suportaram. E, enfim, os pés, artesanalmente pequenos, eram ao mesmo tempo adequados ao seu tamanho e diminutos para todas as tristezas que carregavam.

Enfim satisfeita com a promessa da sua própria beleza, ela ouvia a rua, com o som de risos e buzinas, lhe avisar do fim da sua inspeção diária e de que havia vida além do seu próprio espelho. Disso ela sabia muito bem e ansiava pelo momento em que estaria pronta para abraçar essa liberdade, mas, no momento, tudo o que lhe restava, ou bastava, era o espelho; por enquanto, até quando?, era só ela e o espelho, ou, quem sabe, só o espelho.

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