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A última pizza carioca

O que o paulista(no) não entende é que a pizza carioca precisa ser ruim. E, por isso, ela é boa.

Em primeiro lugar, pizza carioca não é a primeira opção da noite. Pelo menos não cronologicamente. Não me lembro de ter começado uma noite por ela, mas não é uma situação totalmente impossível. Por outro lado, era certo que, quando a noite terminasse, mal, como sempre, a gente fechava os trabalhos com ela.

Pra comê-la tem várias opções, mas um lugar icônico que deixa saudades é o Cine Ópera, um lugar daqueles que não se faz mais. Um misto de restaurante, pé sujo e lanchonete que servia refeições um tanto quanto suspeitas em mesas na calçada ao mesmo tempo em que vendia salgados num balcão. Ao contrário das lanchonetes, eles serviam chopp e, ao contrário dos restaurantes, vendiam coxinhas e joelhos. Um saco de gatos anacrônico que, se ainda funcionasse, seria fechado pelos pseudo especialistas em marketing do SEBRAE.

O engraçado é que vivia cheio e não tinha nada demais. A vista da praia de Botafogo era até legal, o chopp nem fedia, nem cheirava, e a pizza era aquela massaroca carioca de pão macio e queijo mussarela com ketchup e calabresa. Mas a gente gostava, comia e pedia bis. E se a pizza estivesse difícil de descer, o chopp auxiliava a deslizar o pão pela goela.

Não era o lugar mais chique do mundo mas tinha lá a sua mística e ficava aberto até o sol nascer. O que a gente podia pedir mais?

O Cine Ópera, como a pizza carioca, surgia como um sinal de que era hora de encerrar a noite. Fim de madrugada, já tínhamos gasto quase tudo nas boates e bares de Ipanema e Leblon, ou jogado nossa dignidade fora nos inferninhos de Copacabana, e no ônibus da volta, derrotados, alguém avistava o Cine Ópera e convocava:

– Saideira no Ópera!

Sem pestanejar, o bando descia na praia de Botafogo pra comer aquela fatia gordurosa e massarocuda de calabreza com o(s) último(s) chopp(s). E era alí, mascando e molhando a pizza com cerveja que a gente fazia o nosso debriefing: falávamos das tristezas da noite e da falta de sentido da existência; tentávamos extrair alguma sabedoria dos nossos fracassos; e nos entorpecíamos o suficiente para conseguir ir a pé pra casa e dormir sem pensar na nossa falta de propósito. E para isso a pizza carioca era a companhia perfeita.

O que o paulista(no) precisa entender é que a pizza carioca não é simplesmente comida. Ser massuda, sem gosto e necessitar de litros de ketchup é uma forma divina de punir o carioca pelos fracassos que viveu na madrugada; é o ápice de uma noite ruim. E, nisso, ela é insuperável e perfeita.

Mas, não podemos esquecer, a pizza carioca pra ser realmente aproveitada requer contexto e setting. Pode ser comida, quer dizer, engolida de manhã, após uma ressaca moral ou física; à tarde, após uma notícia ruim ou no processo de reconhecimento da sua própria incompetência; ou mesmo no começo de noite, em casa,  em frente à TV, enquanto os pratos sujos de duas semanas lhe lembram que você não sabe cuidar de si mesmo. A pizza carioca, repito, não é só(?) comida, é terapia.

Há boas pizzas no Rio? Sim, claro, e a elas chamamos de pizzas paulistas, pois a verdadeira pizza carioca não pode ser boa, já que a sua missão não é gastronômica e, sim, espiritual.

Por isso, não vale ficar nessa comparação, já que estão em categorias diferentes. A pizza paulista satisfaz a matéria, enquanto a carioca conforta a alma. E saiba que eu estou pronto a defender essa ideia até a última fatia de pizza com meu tubo de ketchup contra sua garrafa de azeite.

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