Ensaios

Alta e Ansiedade

Não sei se foi a primeira, mas, se não foi, me marcou como tal. Eu tinha entre 15 e 16 anos, estava em casa, de noite, sentado à mesa de jantar assistindo TV. De repente, comecei a me sentir mal. Minto, não exatamente mal, mas, por mais idiota que isso pareça, estava ansioso. Tinha a clara e indiscutível sensação de que algo (ruim) ia acontecer. Tentei me acalmar e me concentrar na TV. Impossível. Tanto pela qualidade do que assistia quanto pelo que estava sentindo. Se ficasse alí, parado, como estava, eu sabia que algo de ruim ia acontecer. Por isso, decidi (?) que precisava sair.

Num reflexo, botei os chinelos e saí pela rua. Caminhei sem saber pra onde. Acelerado e ao mesmo tempo preocupado em ter alguma coisa (de ruim) pelo caminho. Quando dei por mim estava em frente ao cinema Paissandú. Passava Tempo de Despertar. A sessão já tinha começado há tempos mas mesmo assim comprei um ingresso e entrei. O filme estava pela metade, mas isso não me importou. Só de estar alí fazendo algo diferente me acalmei. Vi o filme até o final, incluindo a cena em que Penelope Ann Miller e Robert de Niro dançam (mega aliviante), e depois parti para casa. O cinema me curou, lembro ter pensado na época.

Comecei a ter essas crises de quando em quando, mas nem sempre tão duras, surpreendentes ou inescapáveis. Já estava com meus 18 anos e a auto medicação proporcionada pelo choppinho para aplacar minha fobia social ajudava. Estranhamente a próxima crise realmente forte veio dentro do cinema.

Uns 8 anos depois da “primeira” crise, estava num sessão de Existenz na mostra do Rio. Pouco minutos após o início do filme, comecei a me sentir como da outra vez. Só que dessa, eu queria SAIR do cinema. Como estava com outras pessoas, tentei me controlar. Vergonha de estar ansioso. Isso, com certeza, aumentou a minha ansiedade. Minhas mãos suavam. Tinha dificuldade para respirar ou achava que não estava sentindo a minha respiração. Minha boca secou e tinha dificuldade de engolir. Vez ou outra fechava os olhos e contava sozinho o que eu achava ser o meu batimento cardíaco. Estava morrendo, era só o que me passava pela cabeça. Quando finalmente não estava me aguentando, levantei com o pretexto de ir ao banheiro e as luzes do cinema acenderam. Bendito Cronenberg e seus finais repentinos.

Tentei culpar o filme e a temática. Na época criava jogos corporativos e meu sócio tinha sonhos de dominar o mundo, o que batia bem com a sensação do fim da realidade proposta pelo filme. Mas era tudo racionalização. Eu tive, como da outra vez, um ataque de ansiedade. O externo podia desencadear, mas era o interno que pressionava para esse ataque acontecer. Na verdade é como se fosse para eu estar tendo ataques de ansiedade a todo momento mas conseguia me controlar na maior parte do tempo. Estava ficando ansioso por poder estar ansioso. Mega feedback negativo!

Resolvi fazer análise.

Na primeira vez durou um ano. Acabou quando a analista disse que não tinha como me tratar e queria me mandar a um psiquiatra. O meu alarme piscou, resolvi confrontar as fontes primárias da minha ansiedade e me despedi da analista. Temia transformar a questão numa muleta e piorar a situação.

Mesmo assim considero o resultado positivo. Me tornei mais consciente do que desencadeava os ataques e como melhor lidar com eles. Além disso no mesmo período, será coincidência?, me formei, montei meu primeiro negócio e finalmente encontrei a minha cara metade.

Passei uns bons anos sem pensar em análise. Tinha lá uns pequenos ataques de ansiedade, mas tudo controlado. O tempo passou e senti a necessidade de voltar. Todas as noites de domingo para segunda eram passadas em claro e os ataques de ansiedade se repetiam cada vez com mais força.

Voltei e agora, seis e meio depois, me dei alta. Provisoriamente, pelo menos. Consegui trabalhar com bastante esforço, junto com Isabel, no Rio, e com o Kleber, em BH, uma boa série de questões. Ganhei mais autonomia e revi muitas das posições que tinha na vida. A eles agradeço imensamente pelo processo bem conduzido e pela, vamos deixar os formalismos de lado, amizade, ou transferência/contra-transferência, se fizerem questão de manter o psicanalisês.

Agora, esperando a minha primeira filha, decidi passar pelo seu nascimento sem análise. A ansiedade? Continua lá. Controlada Ou quase. Vez ou outra, como hoje, dá seus picos, e os medos mais doidos surgem. Agora na versão pai. Será que a minha filha será ansiosa? Será vou passar isso pra ela, seja genetica ou comportamentalmente? A minha ansiedade, como não podia deixar de ser, seguiu meu exemplo e gerou prole.

Não adianta fingir que ela não existe. Preciso lidar com ela. Sei que nunca vou me livrar, afinal ela é constitutiva da minha personalidade. Muitas vezes, o pior nem é o que sinto, mas como os outros lidam com o meu problema. “Você não podia deixar pra lá? Por que você não consegue relaxar? Isso é coisa da sua cabeça”. E é mesmo. Vejo alguns amigos depressivos passarem pelo mesmo e lamento que haja tanta incompreensão sobre essas questões. Especialmente da parte de pessoas que simplesmente não assumiram que estão passando pelo menos que nós.

Quando vejo esse tipo de reação só lembro da extinta TV Pinel. A TV Pinel é uma oficina no Instituto Philippe Pinel que ensina os pacientes a filmar, roteirizar e editar. Os programas gerados são muito legais. Lembro que eles curtiam especialmente gravar em praças públicas expondo a questão da saúde mental aos ditos populares. Numa dessas eles foram à praça do Largo do Machado e vestidos de médicos jogavam uma caixa onde se lia Loucura ao povo que os rodeava. O povo, curtindo a brincadeira, jogava a caixa de volta:

– Ninguém quer a loucura – os apresentadores da TV Pinel resumiam.

Depois dessa pantomima, eles entrevistaram a população:

– Você é maluco?
– Eu? não!
– E você?
– Claro que não!
– E você? É maluco?
– Eu sou- um dos populares entrou na brincadeira.- E você?
– Eu também sou- o entrevistador da TV Pinel declarou.- Mas estou controlado.

E eu? Eu também, mas estou controlado. E você?

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