Ficção

Primaverar

Sem o conhecimento de seus devotos, os deuses, sob carnes mortais, uma vez a cada cem anos, viviam por um dia sobre a Terra para tentar entender o que experienciavam aqueles que os temiam. Nessas oportunidades, eles sentiam calor e frio. Nessas oportunidades, eles sentiam medo e paixão. Nessas oportunidades, eles se extasiavam com a vida e se desesperavam com a morte; dois conceitos que nunca poderiam experimentar enquanto divindades. Nessas oportunidades, com os pés…

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Ficção

A luz

Remamos. Remávamos. Não esperávamos mais nada quando, com os braços já cansados de tanto remar no escuro, sem saber exatamente se todo o nosso esforço verdadeiramente levava o barco, se não ao nosso destino, a alguma costa, ela brilhou. No meio da noite sem estrelas, uma luz, enorme, mas discreta, resoluta, mas fugidia, nos fez lembrar que íamos para algum lugar, que havia alguém a nos esperar, e que algo desejava que chegássemos lá. A…

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Ficção

Dança da chuva

Pediu uma água no balcão da boate e foi recebida com incredulidade: -Água? -É, água. -De que tipo? -Normal. -Do filtro ou mineral? -Se tiver do filtro… é de graça, né? -É, mas não tem. -Então, por que ofereceu? -Sei lá, não estou acostumada a servir água. Pegou a garrafa da mão relutante da bartender e se encaminhou para a pista. No caminho, foi parada algumas vezes: -Água?! -É. -Tá tudo bem? -Tá, por que…

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Ficção

Boca de Urna

O Brasil pode ter mais de 150 milhões de eleitores, mas para a família Campos Pinto quem decide as eleições mesmo é o primo Gui. Desde a primeira eleição pra presidente pós ditadura, quando a família se digladiava entre o plantel de candidatos afoitos pra ser o primeiro presidente eleito de forma direta depois de décadas, ele, do alto dos seus 16 anos, desvirginou seu título e acertou na mosca quem ia ser eleito: -Sei…

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Ficção

Medalha de ouro

Depois de três dias firmes na promessa de não fumar, recaiu. Ou quase. Acordou agitado, no meio da noite, com a garganta coçando e a língua dormente por um cigarro; de um sonho sobre um bar de jazz com buffet de café da manhã em que todos ainda podiam fumar em espaços públicos e fechados. Bons tempos, bons tempos. Foi nos esconderijos tradicionais, onde guardava maços para descumprir suas próprias resoluções de não mais fumar,…

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Ficção

Livre. Nunca. Mais.

Acordou resoluto. Já não tinha mais nada a perder. Faria o que lhe desse na telha. Consequências, boas ou ruins, nada significavam ; não eram ganhos, nem perdas; eram apenas experiências. Mal levantou da calçada, foi interpelado por um policial. Não lhe deixou terminar a sua cantilena agressiva. Não tinha culpa, nem medo para lhe orientar as ações, então lhe deu um beijo no rosto e um abraço fraterno. Deixou o policial boquiaberto, para embarcar…

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