Arquivo da categoria: O Editor Invisível

[eoi#02] A sedutora ilusão rítmica do design gráfico

Somos bichos visuais. Por mais que, por culpa da má distribuição de qualidade aos animais por Epimeteu, sejamos desafortunados em nossas características físicas; dentre os nossos sentidos, todos meia boca, a visão, se não boa, pelo menos, é a mais aceitável. Porém, por questões evolutivas, a velocidade de reação acabou se tornando mais importante que a precisão, e a nossa capacidade perceptiva ficou cheia de penduricalhos úteis em situações de luta e fuga, mas nem sempre positivos para a percepção detalhada de aspectos mais sutis da realidade.

Mesmo assim, a visão bem confiável. Nossos olhos estão no meio do rosto, mas não totalmente na frente, o que nos dá uma visão periférica razoável e nos habilita como predadores e presas com razoáveis chances de sobrevivência. Não é de espantar o quanto da nossa cultura seja visual. Ver faz parte da nossa continuação como espécie.

Os livros, representantes máximos das nossas ambições civilizatórias, então, são pura imagem. O texto, por mais que se apresente, no ocidente, como uma representação da linguagem oral, é visual; as imagens que ornam o texto ou compõe a proteção do miolo do livro são visuais; a composição do texto com os demais elementos para textuais é visual; tudo no livro é um deleite para os olhos que provoca sensações mil, como num show de ilusionismo em que nós, leitores, somos sujeitos e objetos dessas magias.

Por isso, o cuidado do Design Gráfico, ou seja a escolha e execução dos elementos que ficarão gravados sobre a plataforma de transmissão do conhecimento, desde a tábua, a pedra, e o papel até a tela (digital ou analógica), é só uma: realçar de uma forma não intrusiva as expectativas às quais o texto se propõe a cumprir. Como um baterista que serve à música e não a si mesmo, o bom designer é aquele que consegue ser simples e ao mesmo tempo profundo, incrementando o sentido original e criando novas interpretações. Quase como Ringo Starr.

Se bem que um belo projeto gráfico, como um solo de Neil Peart, também pode iniciar o conceito do livro em volta do qual o texto irá se construir.

Minimalista ou virtuoso, para fazer essa mágica, o design gráfico irá precisar se apropriar dos bugs do nosso processo perceptivo, muito bem mapeados pela Gestalt, a fim de provocar sensações ilusórias, mais indissociáveis do que chamamos realidade. Exatamente como as batidas da bateria mudam a frequência do nosso coração e mexem com nossas emoções, tornando o tempo da música o tempo da vida.

Seguindo o exemplo da ficção, que depende a suspensão da descrença para funcionar, o Design Gráfico irá se utilizar das formas usuais, e, muitas vezes, imperfeitas, da nossa percepção para corroborar com a fraude da ficção e, por que não, da não ficção também. Mas na real, nesse mundo de faz de conta, quem pode dizer que o que chamamos de real é realmente real? Com certeza, não o Design Gráfico, mas não há dúvidas que ele pode tornar essa ilusão que vivemos, e que nos contam, mais crível, mais bela e, quando bem afinada, em perfeita sincronia com o texto que a originou ou que dela surgiu.

[oei#01] A fugidia identidade óbvia do livro

Pra começarmos esse processo de aprendizado sobre Edição e Gestão Editorial, seria importante, ou pelo menos de bom tom, tentar entender o que significa editar algo. É corrigir? É publicar? É imprimir? É financiar? É compilar? É guiar? Sim, é bem difícil definir, ou, melhor escolher o que seria a atividade do editor. Afinal, editar é tudo isso e muito mais.

Como bem colocado no livro Edição s.f. Um verbete expandido, distribuído gratuitamente pela editora Entretantas, a prática da edição (literária ou não) permite diversas visões e observações. Porém, como a edição cinematográfica ou musical, podemos dizer ela tem como principal função preparar, desenvolver e entregar uma obra para o encontro entre a intenção da pessoa autora e a percepção de seu público. É a edição, através de suas diversas etapas e funções, que viabiliza e permite que esse encontro ocorra. Um encontro que, no caso editorial, se dá no que costumamos chamar de livro. Assim, a pergunta que precisamos nos fazer, antes de definir o que é editar, é: o que é o tal do livro?

Livro, como amor, morte, conhecimento, e tantos outros conceitos claros e ao mesmo tempo fugidios, parece ser algo muito fácil de reconhecer porém quase impossível de definir. Na falta de uma clareza que vá além dos reducionismos dos dicionários, precisamos escolher estratégias de investigação.

Dá pra aceitar essa definição?

Podemos, de início, tentar uma visão histórica e, a partir dos primeiros registros humanos de arte rupestre nas cavernas, buscar o momento em que algo graficamente produzido começou a ser chamado de livro. Passaríamos com transições bastante fluídas do momento do papiro (vegetal) e do pergaminho (de origem animal) em forma de rolos, até os códices (iniciados em pergaminhos e depois finalmente em papel), passando pelos dípticos, com diversas visões discordantes sobre o momento mágico em que o livro nasceu.

Poderíamos também discutir a sacralidade do livro e a sua relação com a compreensão do universo como um livro escrito por Deus, como tratado por Alberto Manguel em O leitor como metáfora, ou tentar traçar a concepção do livro a partir da história do papel, discutida, por exemplo, no evento da Fundação Eva Klabin condensado no livro A Cultura do Papel, e como da devoção ao divino e ao inexplicável, pré prensa, o livro se tornou, pós Gutenberg, uma ferramenta de devoção à ciência e ao conhecimento.

Outra maneira de buscar uma definição seria trilhar os caminhos das boas práticas de mercado, das instruções normativas, por exemplo na NBR 6029:2006, ou legais, na Política Nacional do Livro. Porém, as mesmas não são concordantes entre si, nem suficientes abrangentes, pois atendem a diferentes propósitos que não a conceituação ontológica do livro que buscamos.

Outros caminhos sem saída igualmente reducionistas seriam buscar esse “ser” do livro a partir dos seus temas via a Classificação Decimal de Dewey, ou nos debruçar sobre a economia da sua cadeia produtiva, ou sobre o seu processo de produção industrial ou artesanal, cada vez mais mutante e fluído, ou mesmo sobre a análise e categorização das suas partes constitutivas descritas na NBR 6029, igualmente traiçoeiras e mutáveis.

Frente a tantas dificuldades, talvez, o caminho seja, em vez de buscar uma definição sobre o livro, como num Koan, tentar atingir a sua compreensão sem palavras. Assim, dizer que o livro é um objeto (físico ou não), móvel, mas nem sempre portátil, que se presta a ação da leitura, pelo indivíduo que o porta, ou por outro, no caso dos áudios livros, seria tão (in)adequado quanto dizer que livro é simplesmente um troço feito pra gente ler.

Uma definição tão boa quanto qualquer outra

Especialmente, pois, se precisamos dar toda essa volta e descobrir o que é o livro para definir o que é editar, precisaríamos também entender o que é ler para entender o que é o livro. Ou poderíamos simplesmente deixar tudo de lado e fazer como os chineses que usam a mesma palavra tanto para livro como para ler: SHU.

Melhor relaxar e não nos preocupar, então, com o que livro é ou não é, mas, sim, nos dedicar ao que livro pode ser. Aí, sim, a sua indefinição deixa de ser angustiante para se tornar realmente sedutora. E, talvez, o próprio exercício de editar seja só isso: o constante quebrar e reconstruir as definições do que o livro pode ser.

[oei#00] A presença insofismável da carreira fantasma

Com quinze anos, não sabia o que queria da vida, mas coloquei na cabeça que iria trabalhar com jornalismo, só não sabia exatamente com o quê ou como. Já produzia uns fanzines e a maior parte do meu tempo era devotada a desenhar, ler, e escrever, portanto, a inclinação para a carreira, mesmo que obscura, me parecia simplesmente natural.

Na mesma época, meu colégio nos ofereceu a oportunidade de fazer uma iniciação científica, e, para a minha surpresa, jornalismo era uma das opções. Não estava sozinho em minhas ambições. Alguns amigos também seguiram a minha linha, fazendo pesquisas mais acadêmicas sobre metáforas futebolísticas e técnicas de entrevista. Sem saber a que me devotar escolhi o caminho fácil(?) de participar do processo de edição de um número de um jornal(zinho) cultural. Na primeira entrevista com meu futuro orientador, animado pelas minhas aventuras no mundo dos fanzines, mostrei meus projetos cheio de orgulho. Ele olhou o material já publicado e impresso em xerox, pegou a matriz da capa do Twilight Zone, meu novo projeto ainda em concepção, exibindo uma colagem de uma foto enorme da Deborah Harry cercada de ogivas nucleares e personagens do Watchmen, torceu o nariz e riu baixinho.

-Isso aí não passa de uma fantasia. Agora, isso, sim, é A REALIDADE- sentenciou e me entregou a última cópia do tal jornal(zinho) de sua criação, careta e feio, que eu iria editar.

Não deu outra, peguei ranço.

Passei três meses tétricos, resumindo textos chatos e tentando encaixar as colunas convidadas e mal escritas num arquivo do PageMaker num Macintosh já antigo para o ano de 1991, mas persisti. Depois de muita batalha, finalmente entreguei a edição com louvor, mas, cheio de ódio, prometi que nunca mais iria me dedicar a esse tipo de trabalho.

Óbvio que era mentira.

Traumatizado, escolhi outra carreira na faculdade, me formei, comecei a trabalhar, e, ao contrário do que prometi, não deixei essa linha de trabalho, mas o fazia, como bem definiu o Steven Pressfield em Turning Pro, como uma espécie de carreira fantasma.

Enveredei pela área de educação corporativa, mas, cá entre nós, na verdade trabalhava com edutainment: escrevia e editava livros de negócios e publicações técnicas, algumas em formato de ficção ou quadrinhos; roteirizava e produzia animações para treinamentos gamificados; dava cursos sobre storytelling e desenvolvimento de criatividade; e desenvolvia jogos e material de divulgação para aprendizagem organizacional. Em suma, fingia trabalhar na educação, mas era, pelo menos na minha cabeça, escritor, roteirista, produtor, e editor. Pra piorar, em determinados momentos da minha vida, ainda fui sócio e gerente de duas livrarias.

Não posso negar, a carreira fantasma me satisfazia e, além do mais, pagava e paga as minhas contas. Mas, nas imortais palavras de Beto Gessinger, “tudo que eu sentia era que algo me faltava e à noite eu acordava encharcado em suor“. Pra aplacar essa falta, acabava que, como hobby, fazia algumas incursões em projetos mais artísticos, mas sempre como brincadeira.

Aí bateu a pandemia.

Estranhamente, sem o trajeto pro trabalho e as atividades sociais, mesmo com o aumento da carga horária, fiquei com uma quantidade de tempo maior que o usual e comecei a me envolver em cursos de literatura, cinema e criatividade. Fui da Literatura Infantil ao Roteiro de Documentário, da Flash Fiction às propostas de Ítalo Calvino para o século XXI. Aos poucos, estimulado por esses novos contatos e iniciativas, assim, organicamente, comecei a conduzir minhas próprias oficinas e projetos colaborativos.

Foi assim que ministrei duas turmas de O Caminho do Artista e uma dos Funambulistas; organizei o micro-conte se e o Da Pupa à Polpa; participei do coletivo Camiinhantes, e da criação do Literoutubro junto com a paulamaria; e, ainda, editei o livro Contos de uma Autoridade Sanitária e liderei a edição da coletânea Meia Dúzia de Natais, além, óbvio, de editar meus próprios livros.

Quando entramos no novo normal, que não passava de uma versão requentada e acelerada do velho, não consegui mais voltar ao modelo de carreira fantasma com a mesma tranquilidade. Ainda curtia o que fazia no meu trabalho, mas, sentindo os 50 anos batendo à minha porta, não podia deixar o desejo abafado por ranço há 35 anos continuar enclausurado. Estranhamente o meu próprio trabalho começou a me requisitar as habilidades que eu exercitava na minha “vida paralela”, incluindo, pasmem, criar uma editora técnica, e tudo começou a ficar cada vez mais alinhado.

Assim, seguindo a velha máxima de que pra virar mito é preciso cumprir o rito, resolvi me dar o direito que nunca tinha me permitido e oficialmente me dedicar a me tornar o editor que, bem ou mal, de certa forma, desde os fanzines da minha adolescência, sempre fui ou ambicionei ser.

Hoje, às 9 da manhã do dia 27 de julho de 2024, dei então inicialmente início ao meu aprendizado formal na pós em Edição e Gestão Editorial do NESPE. O que sairá desse novo caminho, na boa, não tenho ideia, mas, seguindo os preceitos do Personal Knowledge Management, vou registrar os aprendizados e descobertas por aqui.

Convido você a abandonar o futuro do pretérito e fazer esse caminho em direção ao futuro do presente junto comigo. Não sei o destino, mas não tenho dúvida que o caminho será divertido e surpreendente.

Boas vindas a esse novo momento da minha, e, por que não?, também da sua vida. 😉

Segure-se na cadeira, essa viagem promete grandes emoções.

Glória Maria na montanha russa na Jamaica

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