Não tinha dúvidas. Toda morte era um suicídio. Talvez não planejado, mas definitivamente intencional. Afinal, toda morte- sua data, sua forma, sua ocasião- era consequência direta das ações das suas próprias vítimas.
Fumou, câncer de pulmão; bebeu, cirrose; escolheu uma vida de stress, infarto; evitou tudo, morreu de medo de viver. E mesmo quando, dentro da sua lógica, a causa mortis não seguia o caminho óbvio que o suicida escolheu, isso não deixava de ser um suicídio, ou, pelo menos, uma tentativa. Mal sucedida, mas uma tentativa.
Mesmo os acidentes mais aleatórios não escapavam dessa sua conjectura. Por que resolveu passar naquela rua perigosa naquela hora? Por que atravessou fora do sinal? Por que resolveu morar no Rio de Janeiro? Por que decidiu torcer para aquele time de futebol? Por que não mandou seu chefe enfiar o emprego naquele lugar? Por que não prestou atenção e desviou do carro desgovernado vindo na sua direção? Por que nunca fez nada para se proteger do azar? Porquê? Porquê? Porquê?
Por ser um fiel crente de uma lógica tão fatalista, é de se imaginar que ele fosse um medroso, vivendo escondido, martirizado pela culpa gerada pelas ações que promoviam o fim da sua própria vida, mas não. Ele era um cara consciente das escolhas que fazia e das consequências que teriam na sua vida, era apenas um sujeito livre que vivia em paz.
Por isso, sempre que a dúvida do que fazer surgia, avaliava qual o custo e a consequência que a ação ou decisão que tomaria teria no seu tempo ou na sua qualidade de vida. Mesmo que algo aparentasse ser inócuo ou saudável, ele sabia, em parte poderia estaria tomando a sua oportunidade de ter uma vida mais rica, mais divertida, enfim, melhor. Enquanto algumas decisões consumiam tempo, ele sabia, outras restringiam experiências.
Assim viveu. Contrabalançando os abusos com os cuidados, sempre equilibrando duração e satisfação, da maneira mais harmoniosa que podia imaginar. Porém, como todo os humanos, suicidas, conscientes ou inconscientes, ele, um dia, morreu. Mas soube estender a sua vida nas histórias que deixou, na sua filosofia bizarra, e na lápide que planejara. Na fria placa de mármore, não quis que fosse gravado nem seu nome, nem as datas que marcaram a sua passagem sobre a terra. Sobre ela, pediu que fosse escrito apenas:
TUDO É SOMA ZERO
MAS HÁ ZEROS E ZEROS
Sim, era um suicida, como todos nós, mas sabia viver.