Ontem, no caminho do cinema, caminhando lentamente com a minha mulher grávida, fui surpreendido por uma pedestre. Estávamos subindo um pequeno pedaço de ladeira quando ela veio por trás de nós batendo os pés:
– Sai da frente que eu estou com pressa.
Ela disparou pela nossa esquerda e passou sem olhar pra trás. Olhamos surpresos um pro outro quase começando a rir. Não havia motivo para aquela reação. Havia um bom pedaço de calçada vazia pela qual ela podia passar sem manifestar. Impulsivamente minha mulher não resistiu e disparou:
– Só lamento.
A pedestre apressada, mesmo distante, pareceu ouvir e nos fuzilou com o olhar. Ela atravessou a rua e começou a nos acompanhar do outro lado da calçada. Estranhamente, apesar de toda a sua pressa, ela caminhava na mesma velocidade que nós, que não tínhamos pressa nenhuma. Vez ou outra, ela mandava um daqueles olhares raivosos para nós, até que entrou numa padaria e sumiu lá dentro.
Me perguntei qual era a pressa que ela tinha para ir à padaria e imediatamente me lembrei de uma outra situação similar. Estava numa longa fila num supermercado quando uma mulher de meia idade, chegou pra mim e perguntou:
– Moço, eu estou passando mal. O senhor poderia me deixar passar na sua frente?
Olhei pras compras da mulher. Apenas um pacote pilhas.
– Minha senhora, olha, tem muita gente atrás de mim. Não acho que justifique furar a fila para comprar pilha. Se a senhora realmente está passando mal era melhor até ir prum hospital ao invés de ficar no supermercado. Não acha? Mas se todo mundo atrás de mim concordar, eu lhe dou o lugar sem problema.
Ela me olhou com raiva (sempre esses olhares), pediu o lugar pro sujeito na minha frente que lhe concedeu o pedido e ainda reclamou comigo:
– Onde já se viu? Não querer ajudar uma senhora doente…
Não sei se ela estava doente. Não sei se a outra estava com pressa. Mas estranho muito quando as pessoas querem tomar liberdade com a gente por achar que suas necessidades são maiores que as nossas.
O mesmo aconteceu num dos primeiros empregos que eu tive. Eu trabalhava com um amigo e acabou que, apesar de começarmos recebendo o mesmo valor, eu ganhei um aumento e ele não. Pra mim veio muito a calhar. Já morava sozinho e precisava do extra pra pagar minhas contas. O meu amigo achou que era traição. Me chamou pra conversar na casa dos pais dele, onde ele morava, e depois de me aporrinhar durante duas horas, finalmente expressou sua preocupação:
– Pô! Assim tu me fudeu. Como vou conseguir pagar meu personal com o que estou recebendo atualmente?
Mal sabia ele que o chefe tinha pensado em demití-lo e eu tinha segurado a onda dele.
Quando dinheiro está envolvido, essas coisas acontecem direto. Tive uma diarista que, mesmo faltando direto e sempre deixando o trabalho mal feito e pela metade, um dia veio me pedir aumento pois precisava de mais dinheiro. Quando perguntei se ela estava disposta a fazer algum trabalho extra, tipo cozinhar uns pratos pra congelar, ela foi categórica:
– O que isso tem a ver com o aumento que pedi?
Não faltam exemplos de como os outros tentam sempre impor a sua necessidade sobre você. Acredito que isso venha de um percepção que o mundo lhes deve algo. Pode até ser, mas, deixa eu te dizer: eu não te devo nada. Por isso, quando estiver com pressa, passando mal, inveja ou sem dinheiro, não leve a mal, mas saiba que o problema não é meu, é seu.