A família de alguns amigos, como muitas famílias numerosas formadas por assalariados, recorre ao expediente do amigo oculto na festa de Natal. É uma maneira de todos receberem um presente ao mesmo tempo que permite que ninguém ganhe algo muito melhor do que o outro. Sabem como é: Égalité, Fraternité, Pavê. Ou pá comê.
Mas é óbvio que uma hora cansa. Depois de uma década, aquela mesma história de descrever seu amigo pra os outros adivinharem deixa de ser divertida e passa a ser constrangedora. Seja pela repetição das mesmas características, nem sempre positivas, seja pela tentativa de injetar originalidade numa coisa tradicionalmente careta. É quase como trocar o apresentador de A Praça é Nossa toda semana esperando que isso vá mexer na essência dos esquetes. Simplesmente um fracasso anunciado.
Mesmo assim, eles persistem e tentam os mais diversos formatos para dar uma variada: amigo oculto de roubar presente; de comprar presente genérico e sortear na hora; inimigo oculto. Nem sempre com sucesso.
Esse ano inventaram um esquema realmente diferente. Cada um comprava um presente para si mesmo e quem o sorteou pegava o presente da árvore e fazia o tradicional lance da adivinhação. Entendeu? Confesso que eu não. Ainda tinha um lance que cada um precisava dar 50 reais, caso a pessoa não tivesse comprado o presente, que era o valor máximo combinado. Boiou ainda mais? Eu idem.
Mesmo com essa complicação toda eles botaram em prática. A primeira vítima tirou os 50 reais do bolso, buscou o presente na árvore, encontrou, fez a brincadeira da adivinhação, o povo acertou, deu o presente com a nota ao seu amigo agora não mais oculto e passou a vez. O outro seguiu o mesmo ritual e assim foi até que o presenteado foi o patriarca da família.
Do alto da sua imponente irreverência, ele seguiu o ritual só se furtando de passar a nota de 50 ao seu amigo. Logo, alguém apontou o erro. E pior que foi o genro:
– Aí, meu sogro, você pegou presente da árvore?
– Peguei.
– Ficou com ele?
– Fiquei.
– Então tem que passar essa nota pra frente. Libere a grana aí, sogrão.
– Não entendi. Quer dizer que ninguém vai ficar com o dinheiro?
– Se tiver presente pra todo mundo, o dinheiro fica com o último.
– Perá lá. Mas quem deu o dinheiro foi o primeiro- a tia se intrometeu.- Não era ele que devia ficar com o dinheiro?
– É- o primeiro se manifestou.- O dinheiro tem que voltar pra mim.
Aí o povo começou a discutir as regras. Pensaram em refazer toda a ordem. Alguém tentou resgatar sem sucesso o e-mail com as regras. Alguns presentes foram devolvidos pra árvore, mas depois recuperados. Enfim uma bagunça total. E, sem que ninguém se tocasse, os 50 ficaram no bolso do sogro que discretamente foi pra sala de tv.
Lá seu neto, que já tinha dado e recebido seu presente, estava assistindo ao jornal.
– Tá assistindo a que, netinho?
– Uma matéria de economia sobre BitCoin, Blockchain, esses troços.
– Que diabos é isso?
– Não sei se entendi direito, mas pelo que vi até agora Bitcoin parece um sistema de trocas de valores virtuais sem um operador central que registra todas as transações realizadas através desse tal de Blockchain, numa espécie de livro caixa virtual.
– Jesus. Isso funciona?
– Sei lá. Provavelmente não. E o amigo oculto? Terminou?
– Ainda não, o povo tá lá tentando entender como o blockchain de presentes fez o bitcoin de todo mundo desaparecer.