Quando eu tinha o sebo a gente atendia muitos escritores, por isso, quando vejo entrevistas com autores, eu sempre sinto que o livro virou menos do que é. Virou só um pretexto para um pitch de vendas.
Os entrevistadores e jornalistas, geralmente serem terem lido o livro e informados apenas pelos seus press releases, focam suas perguntas no processo de escrita, na rotina dos autores, na mística “de onde vêm as ideias”, nas ambições do livro (que não tem nenhuma), em como lidam com o sucesso (futuro ou presente) e em tudo mais que não se seja o tema do livro.
O livro não é a vida do autor. O livro é uma conversa, uma isca do autor para que o leitor, e o entrevistador, fazendo esse papel simulado, discuta o seu tema ou estética. Não é isso que vejo nas entrevistas. Vejo pessoas entrevistando celebridades cujo sustento virá da compra do livro. “Gostou dessa pessoa? Ela é legal e interessante, né? Inteligente também, não? Então compre o seu livro para que ela continue viva, mas não se preocupe, você não precisa lê-lo. No máximo postar uma foto dele no Instagram pra dar uma força”.
Isso me lembra do livro do Mamet, Teatro, onde ele afirma, com muita propriedade, que o papel do teatro é entreter o público. O livro tem também esse papel. Ele foi feito para ser lido e experienciado, mas, como o próprio teatro, hoje virou apenas um símbolo de ostentação intelectual, um fiapo de ligação com uma pessoa de aparente poder que irá imbuí-lo de um pedaço de identidade. Em suma, anexos de personalidade via poder de compra.
Quando eu tinha sebo a gente atendia muitos escritores e o papo era diferente. O papo era sobre o livro. O que os autores pensavam sobre o tema que tinham escrito a respeito, sobre as escolhas que fizeram na narração, nas personagens, na linguagem. Sobre o que poderia ser melhor, sobre o que ficou bom no livro e para ouvi-los ler. Isso faz diferença: ouvir a autora ler o seu livro. Mas, pelas regras do mundo, estabelecidas pelos nerds dos filmes de super herói e séries, tudo isso é proibido. É spoiler. Num mundo onde tudo é “porn”, a aferição de valor vem da (falsa) sensação de novidade e da possibilidade de repetição de consumo; mesmo numa atividade que sempre termina do mesmo jeito.
Eu não ligo pra isso. Sempre fui o louco que lia o livro depois de ver o filme. Se saber algo sobre a história lhe impede de ler o livro, cá entre nós, você nunca iria lê-lo mesmo. E provavelmente nunca irá ao teatro, afinal Hamlet, Romeu e Julieta, só pra dar um exemplo, morrem no final. Você não sabia? Desculpa o spoiler.
Depois me perguntam se o mercado editorial vai sobreviver depois dessa crise. Não vai. Dessa forma não vai. E não por conta de CoVid e afins. Vai perecer de amnésia. Vai passar boas dificuldades pois esqueceu o seu propósito.
Parece até que as editoras têm vergonha de vender livros, e viraram uma espécie de bar onde o mais importante é o guarda chuva do drinque e não o seu sabor. Ok, o público não é dos melhores, mas está no seu papel educá-lo e não enganá-lo vendendo culto a celebridade para empurrar papel encadernado com sinais de tinta no seu miolo.
Tá, talvez seja só, mais uma vez, chatice da minha parte. Talvez a falta que sinto de boas entrevistas com escritores seja só um reflexo da falta de bons livros, e, quando eles existem, de boas pessoas pra conversar a respeito deles. Por falar nisso, me diz aí, o que você leu de bom atualmente?
Mais uma pílula de lucidez e realidade!
Minha leitura foi técnica, mas muito instigante:
Leitura sobre essa democracia que falamos que exercemos, e sobre o papel salvador do juiz em saber a verdade o que é melhor para nós …
estou lendo o poesia completa da maya angelou. poesia é dos meus gêneros favoritos e as copilações me encantam porque conseguimos ver as várias fases da mesma escritora. nunca tinha lido uma poeta negra dessa maneira, tem sido muito interessante porque me provoca deslocamentos sensíveis que ainda nem consigo compreender.
tomei umas porradas do seu texto e vou tentar deixar decantar pra gente conversar lá no grupo.
🙂