Ficção

O improviso combinado

Não se conheciam, nem de vista, nem pessoalmente, mas, como acertado pelo whatsapp, eles se esbarrariam no edifício Avenida Central, subsolo, na praça de alimentação, em frente ao caixa eletrônico, na quarta-feira, às 12:32.

Ela, de óculos escuros e echarpe vermelha, iria em direção ao caixa 24 horas e tropeçaria. Ele, que estaria sentando numa mesa próxima, com uma sacola da livraria Leonardo da Vinci, correria para ajudá-la a se levantar. Óbvio, as pessoas em volta iriam tentar se envolver. Ele as afastaria. Com educação. Teria tudo sob controle. Ela, por outro lado, teria dificuldade para caminhar e ele a levaria no colo até o ponto de taxi na esquina da Rio Branco com a Nilo Peçanha.

No taxi, ele perguntaria seu endereço, mas ela desmaiaria. Aturdido, ele pediria para o taxista rumar para o seu próprio endereço. Ao chegar ao seu prédio, ele a levaria desacordada, no colo, até o seu apartamento. Ele a deitaria na sua cama e aplicaria uma compressa gelada no seu tornozelo. Isso a acordaria. Grata, mas assustada com a sua audácia, ela tentaria ir embora. Mas, no caminho até a porta, ela descobriria o quanto tinham em comum e se renderia ao seu charme. Se beijariam ardentemente e, em pouco tempo, se deitariam no chão da sala para celebrar essa paixão repentina que começou com um simples e inesperado torcer de tornozelo no centro do Rio.

No horário e no local combinado, tudo teve início como esperado. Eles cumpriram seus papéis com maestria. E, na viagem de taxi, até o motorista deu um toque de humor ao seu teatro mezzo improvisado, mezzo roteirizado. No apartamento, o diálogo, não preparado, correu de forma inteligente e provocadora, o que aumentou a excitação que antecedeu a conjunção carnal.

Quando tudo terminou, ambos, estranhamente satisfeitos, como se tudo tivesse ocorrido de maneira espontânea, se perguntaram, e se, por um engano e por uma coincidência, não estariam com as pessoas erradas. Se o teatro combinado não fosse uma combinação, mas um movimento orgânico de se apaixonar? Se tudo tivesse começado como uma farsa, mas fosse real? E se fosse paixão? Ou, pior, e se fosse amor?

Preferiram não pensar nisso. Fecharam os olhos e, se entregando ao cansaço do gozo, dormiram agraciados pelo prazer que seus artifícios lhes proporcionaram e ainda poderiam lhes proporcionar. Não havia razão para se preocuparem. O amor verdadeiro, eles sabiam, não passava de uma fraude consensual.

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