O problema, ou benefício, da idade é ter passado por várias ondas e perceber o quanto as ondas são ondas, mas o mar permanece o mesmo. O ser humano tende a olhar tudo como espelho, mas ao invés de se refletir nas coisas, tende a reproduzir as qualidades que espera dos objetos nele próprio. É um pouco a questão de olhar pro abismo, ele olhar de volta e você se tornar o abismo.
Quando criamos a alavanca, tudo era passível (ou desejável) de ser movido por alavancas. E, assim, nos tornamos alavancas. Lembro quando o Cibercultura,do Pierre Lévy, foi o arauto da Utopia “internética” mas passou ao largo da Distopia onde nos afundamos hoje. Acho que estamos vivendo um pouco disso com a IA. Há uma pressa em reproduzir o comportamento da ferramenta (sumarizar, responder, coletar, adaptar, imitar) assim como fizemos no início da internet (expondo, conectando, absorvendo e compartilhando). Talvez o que a gente precise é justamente o contrário: ter paciência. Deixar a IA fazer os trabalhos chatos que nos sobrecarregam e repensar qual é o nosso papel no mundo.
Na verdade, a única coisa que a IA deveria fazer, para cumprir a profecia do Keynes, é assumir os bullshit jobs que ninguém deveria fazer desde o início e nos deixar descansar. Mas o engraçado é que todo mundo parece querer entregar o filé mignon pra ela. Ou, pior, queremos competir com a máquina para fazer os trabalhos que ninguém queria fazer e trabalhar 24 horas por dia vivendo a constante síndrome de people pleasing.
Na boa, isso não é pra mim. Não quero o trabalho da IA, não quero imitar, reproduzir, organizar, ou sumarizar as coisas; o que eu quero é divagar bem devagar. Enfim, sou um fiel seguidor do conselho da Tina Fey em Only Murders in The Building:
Me perdoem o ostensivo elogio à preguiça, devem ser as férias falando. 😉