A diferença de 4 horas, por incrível que pareça, facilitava seus encontros. Enquanto ele ia almoçar, ela estava tomando café. Para parecer que era um encontro de verdade, sempre comiam fora. Um comendo na copa da empresa e a outra de pijama na cozinha não seria nada romântico. Assim, acordavam cedo, se embelezavam e, arrumados, como manda o figurino, iam comer juntos.
O lugar preferido dele em Berlim era uma lanchonete perto do serviço onde serviam café da manhã o dia inteiro. Já ela, no Rio, comia na padaria da esquina de casa. Ambos pediam ovos, pães e frios, e conversavam como se estivessem juntos. E estavam.
– O que você vai comer, amor?
– O de sempre e você?
– Idem.
– Tudo bem por aí?
– Tudo.
– Muito serviço?
– Sempre.
– Novidades?
– Nah! E você?
– Também nada.
– Bom comer contigo.
– Bom, não. Maravilhoso.
– Então, vamos comer.
– Vamos.
E, assim, oprimidos por rotinas que não faziam sentido serem compartilhadas a um oceano de distância, eles ficavam ao mesmo tempo distantes e próximos, como um velho casal de namorados que se reencontrou depois de enviuvar.
Além dos rituais programáticos e das perguntas e respostas feitas, costumavam conversar sobre quando conseguiriam se ver novamente. A expectativa era sempre em breve, mas ao mesmo tempo insuportavelmente distante. Prometiam ir pra lá, e pra cá, quando o Euro isso, quando o Real aquilo, quando a vida, ah, quando a vida lhes desse um sossego. Traçavam rotas imaginárias, encontros em terceiros lugares, pensavam em morar juntos, em ter uma vida em comum e real, que não fosse mediada por telas, aplicativos ou milhares de quilômetros de fibras óticas.
Um dia, o horário de um deles mudou, ou foram os dois?, eles mesmos não se lembram. Prometeram transformar o café em jantar e lanche, mas as demandas dos serviços começaram a se intrometer e mais vezes cancelaram os encontros do que os levavam a cabo.
Como não podia deixar de ser, o afastamento abriu a porta para novos pretendentes, que se aproveitavam do seu tempo livre e da sua tristeza. Inclusive, a sua história de amor à distância se tornou um grande fator de atração.
– Há quanto tempo namoram?
– Há dois anos.
– E estão separados há…
– Separados, não. Distantes.
– Distantes há…
– Um ano.
– Metade do relacionamento.
– É, não tinha me ligado. Agora que você falou…
– E, é difícil?
– Pior que é. A saudade… sabe?
– Sei. Sei. Fica assim, não. Vem cá pra eu te dar um abraço.
E de abraço em abraço, de acolhimento em acolhimento, acharam novos parceiros. Não lembram exatamente quem decidiu terminar, ou quem contou da traição, mas lembram como o outro reagiu:
– Eu entendo. Não ia demorar pra acontecer. Relacionamento à distância é uma merda- mentiram um para o outro.
Hoje, levam suas vidas, dessa vez separados, pela memória e por um oceano de distância, mas, quando um se senta pra almoçar e a outra prepara o seu café, eles pegam nos celulares por instinto como se coçassem um membro fantasma, um braço, uma perna perdida, da qual sempre sentirão falta. Comem em silêncio, e, quando terminam suas refeições, suspiram tão alto que quase podem se ouvir por cima do Oceano Atlântico dizendo, com a mão sobre o estômago e sobre o coração, “que saudade de comer com você”.
Adorei esse texto.