A cama não era tão grande, mas tomava praticamente todo o quarto. Entre a janela e a porta restava um pequeno espaço ao seu redor onde só cabiam as pernas finas de Arnaldo, o dono da cama, uma de cada vez, e que só servia para acumular coisas perdidas que ele achava que nunca mais iria recuperar.
Uma vez por mês, Arnaldo chamava a faxineira que, como mágica, fazia o impossível, e recuperava o que deveria ter ficado perdido. Uma calcinha vermelha; a carteira de motorista vencida da dona da calcinha; um poema escrito num guardanapo, para uma outra mulher; 62 reais em notas de 2; uma aposta na megasena, não premiada; uma raspadinha, premiada; um número de telefone de uma pessoa desconhecida; um soutien florido de uma conhecida.
– O fim de semana foi animado, seu Arnaldo- a faxineira resenhava a sua vida.
– Pois, é, Marilda. Pois, é- ele desconversava dando os 62 reais e a raspadinha para a faxineira.
Numa manhã de sábado, após uma costumeira noite de sexta, uma das conhecidas, que já foram desconhecidas, frustrada por ter perdido, como tantas antes, o soutien, lhe fez uma oferta:
– Você tem que se livrar dessa cama. Ela não é do tamanho da sua vida. Você precisa de um sofá cama. Sabe?, eu tenho uma amiga que é dona de uma loja de móveis usados e está vendendo um. Te interessa?
– Sofá cama? Como isso funciona?
– Vai dizer que nunca viu um sofá cama? É tipo uma cama que, quando você não estiver usando, vira um sofá.
– E é bom?
– É, eu acho. Quer ir ver?
– Quero.
E lá foi ele, na loja da amiga da conhecida, conhecer o sofá. Quer dizer, o sofá cama. A primeira impressão não foi boa. Era um móvel velho e feio, com uma estampa de casa de vó. Fechado, como sofá, era desconfortável e pouco convidativo. Aberto, como cama, era desconfortável e ainda menos convidativo.
A conhecida percebeu a sua hesitação e fez pressão:
– Deita. Vê se você gosta.
Deitou e continuou não gostando. Mentiu, prometendo que ia pensar, e voltou para casa. Olhou para a cama, que tomava todo o quarto, se deitou e suspirou feliz de não ter comprado o sofá, quer dizer, o sofá cama.
Numa noite de sexta, que antecederia mais uma manhã de sábado, chegou em casa com uma conhecida, outra, e, quando entrou no quarto, se espantou: no lugar da sua cama estava um sofá, o cama. Em cima dele apenas um envelope com uma mensagem da conhecida, a primeira, dizendo: “Espero que fique feliz com o meu presente”. Não ficou.
Acordou na manhã de sábado, com dor nas costas, e a conhecida, a outra, foi embora com rapidez.
– Não perdeu nada? – ele perguntou.
– Não, porquê?
– Por nada, por nada.
Naquela semana, a faxineira passou na sua casa e se espantou, tanto quanto ele, com o sofá, mas não disse nada. Na saída, ele perguntou:
– Não achou nada perdido dessa vez?
– Não, por quê?
– Por nada, por nada.
Pensou em ligar para a conhecida, a do sofá, o cama, mas não lembrava mais qual era seu nome, nem seu telefone. Queria saber para onde tinha ido a sua cama, mas pelo jeito ela tinha sido perdida dentro do sofá, quer dizer, do cama. Sem saída, tentou se acostumar com a tragédia que se alojara no seu quarto, enquanto esperava que a conhecida entrasse em contato com ele. Mas ela não entrou. Nem o sofá saiu.
Uma coisa ela não podia negar, sua vida ficou mais simples e chata. Quando acordava, fechava a cama. Quando chegava em casa, abria o sofá. As conhecidas, e as desconhecidas, parecendo prever que a cama tinha ido embora, começaram a sumir; e as coisas, antes perdidas, começaram a aparecer. A sua carteira da faculdade; o diploma que jurava não ter tirado; uma carteira de dinheiro, vazia; uma agenda cheia de telefones, mas sem nenhum nome; e até um cartão da loja de onde veio o sofá cama.
Ligou para a loja. A amiga da conhecida atendeu.
– Oi, não sei se lembra de mim, mas fui ver um sofá cama com uma amiga sua.
– Ah, sei, mas ela não é minha amiga. É só uma conhecida.
– Sei, sei. Por acaso, quando vocês trouxeram o sofá cama para minha casa, vocês sabem para onde foi a minha cama?
– Sei, está aqui. Foi a pior troca que fiz. Já levaram e devolveram essa cama duas vezes. Parece que ela não cabe em lugar nenhum.
– Sério? Querem trocar de volta?
Dois dias depois a cama voltou e o sofá, o cama, foi embora. Na sexta seguinte, a conhecida, a do sofá cama, ligou de surpresa e passou na sua casa.
– Pra onde foi o sofá cama?
– Que sofá cama?- ele se fez de bobo.
No sábado de manhã, ela foi embora, frustrada, sem a calcinha, engolida pela cama. Na semana seguinte a faxineira apareceu e achou a calcinha.
– O fim de semana foi animado, hein?, seu Arnaldo- a faxineira comentou como de costume.
– Pois, é, Marilda. Pois, é- ele respondeu satisfeito.
– Por falar nisso, pra onde foi o sofá cama?
– Que sofá cama, Marilda?- ele fingiu não saber que a cama o havia engolido.