É estranho como esquecemos o quão inatural é ler. Olhar para símbolos num papel, ou em qualquer outra superfície, entender que existem, entre eles, relações e ordem, e, daí, extrair deles um significado não é de maneira nenhuma algo natural. É algo ensinável, facilitado por características fisiológicas, mas não é inato. Mesmo assim, depois de aprendido, é algo que consideramos dado e sem questionamento.
O mesmo acontece com os receptáculos dessa escrita. Os livros são cheios de convenções e ordens que consideramos “naturais” mesmo que sejam apenas construções geradas por acordos antigos surgidos de conveniências tecnológicas, sociais ou mesmo de capacidades e incapacidades dos nossos aparatos de percepção e cognição. Assim, por séculos, perpetuamos esses hábitos e regras muitas vezes sem o menor questionamento ou mesmo lembrança da sua frágil perenidade.
Mas é aí, então, que algo acontece; uma nova tecnologia, linguagem, grupo social, ou manifestação cultural aparece e tudo muda. A escrita formada por alfabetos fonéticos passa (ou volta) a ser formada, também, por pictogramas; um grupo crescente de leitores se sente mais confortável em ler na vertical em vez de na horizontal; desenvolvemos técnicas para inserir vídeos e áudios dentro dos textos lhes conferindo múltiplas camadas e interpretações; enfim, ler é uma atividade em contínuo processo de transformação, e os livros, seus aparatos preferenciais(?), também mudam com a leitura.
Quem pode culpá-los? As revoluções estão aí para isso mesmo. E elas normalmente começam discretamente em pequenos grupos de experimentação. Alguém se liga que o que fazemos apesar de fazer sentido não tem sentido, e se questiona: Por que não? Por que não fazer de forma diferente?
Aí nos batemos contra os costumes, desafiamos nossas biologias, e criamos novas formas de extrair magicamente significado do ar. Assim nasceram os sinais de pontuação, os parágrafos, os capítulos, as notas de rodapé, os hiperlinks, os audiolivros. A cada nova descoberta e invenção, (re)criamos não só a leitura mas outros grupos de leitores. Afinal, ler (mesmo que sejam imagens) é decifrar códigos secretos, e ser um leitor é, não se enganem, fazer de uma sociedade tão secreta quanto.
Então, companheiras e companheiros de conspiração, vamos exaltar o símbolo da nossa revolução permanente O LIVRO, seja ele pictográfico, em quadrinhos, em áudio, vídeo, ou pergaminhos! Mesmo sabendo que a sua leitura, e nós leitores nunca seremos os mesmos pois nós, os livros e a leitura continuamos em constante (r)evolução. Sim, esse é um livro que nunca pararemos nem terminaremos de escrever.