O Editor Invisível

[oei#19] A inevitabilidade da transformação viral da palavra

No princípio era o verbo, só o verbo.

A palavra, em si, nasceu filha única, sem sinal ou expectativa da escrita. Talvez pois ela não fosse ainda necessária. Nossos grupos de convivência eram pequenos, e nossas pernas e olhos não ambicionavam muito mais do que os nossos horizontes podiam nos oferecer. Então, para quê registrar as palavras? No máximo precisávamos da rima e do ritmo para facilitar a tarefa de recordar aquilo que nos era importante.

Mas logo ganhamos desenvoltura, e a nossa imaginação e a nossa curiosidade nos levaram a buscar diferentes paragens e diferentes pessoas, o que nos transportou, física e mentalmente, além de onde nascemos. E junto conosco, a palavra ganhou o mundo.

Foi nesse momento em que a escrita se tornou necessária. Para deixarmos nossa marca em nossas comunidades de origem; para nos entendermos e marcarmos nossos compromissos com as novas pessoas e povos que conhecemos; para registrar nosso espanto e nossos aprendizados no contato com outras culturas; precisamos perenizar, além da palavra que se mistura ao vento, nossas ambiciosas e longevas ideias e sonhos.

E, assim, a palavra escrita, como um vírus do espaço sideral, se proliferou. Ganhou complexidade e volume; gerou paradoxos e incoerências; mais do que registro, se tornou um estímulo a novos pensamentos, e, assim, a novas palavras. Dessa forma o que estava escrito em pedras e peles pediu organização e estrutura, invadiu papiros, se manifestou em códices e livros, e, pela ânsia de alimentar as mentes famintas por conhecimento, entrou em produção em série virando o livro como hoje o conhecemos.

Mas até o livro mudou. Ele virou virtual, eletrônico, digital, e transcendeu a própria palavra como signo gráfico manifestando-se em som, em movimento, em sensação. O e-book, mais do que uma nova encarnação do livro, é também uma nova encarnação da palavra e, consequentemente, uma nova encarnação da nossa própria relação com ela.

Se antes apenas ouvíamos, e se depois aprendemos a ler, agora vemos, lemos, ouvimos, sentimos, e experienciamos a palavra corporal e cognitivamente de diversas formas, ainda sedentos por novas paragens e novos horizontes, em busca de expandir a vocação daquele verbo inicial.

Esse apetite renovado pela palavra faz com que nós, editores, precisemos mudar nossas habilidades e nossos objetivos. Se um dia nosso foco foi concretizar a palavra impermanente num construto físico de tinta e papel, agora devemos pegar essa palavra, ainda tão impermanente quanto antes, e transportá-la pelas mais diversas mídias em busca do melhor formato gráfico, visual, sonoro, imagético, magnético, radioativo, ou, quiçá, espiritual que venha a exprimir o verdadeiro significado que a palavra proferida pelo autor visa impingir sobre aquele leitor, espectador, ouvinte, ser humano que irá recebê-la.

No início era o verbo, e ainda é só ele que existe. Porém, enquanto a humanidade se aventura em novos destinos, a palavra se torna cada vez mais sinestésica, conjugando todos os nossos sentidos, trans midiaticamente, para melhor atingir o propósito da criação, a nossa e a do universo. E cabe a nós, os editores, a ajudar a melhor moldar esse grito primordial da criação nesse livro, físico, digital, conceitual, em constante processo de evolução.

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