O Editor Invisível

[oei#23] As rotas invísiveis e mágicas, mas reais, da distribuição digital

A vida do livro, para a maioria dos leitores, como uma montagem de um filme de ação ruim dos anos 1980, é bastante irreal. Começa com o artista, angustiado ou não, dependendo da sua preferência estética, concebendo a sua obra prima; segue com alguns percalços tragicômicos no processo de escrita; tem sua primeira virada no encontro, sempre surpreendente, entre o autor e o editor; se perde, momentaneamente, nos conflitos entre o mercado e a arte, representados pela “briga” entre o artista e a editora; corta para um sobrevoo pelo processo de produção gráfica, com destaque para as prensas cuspindo um sem fim de folhas, que culminará com as caixas dos livros sobre pallets; para, finalmente, terminar com o momento mágico em que vemos o livro sendo oferecido pelo livreiro ao leitor, sob os olhares pacificados do autor e do editor.

A fantasia do leitor médio sempre envolve prensas

O que o leitor médio não vê é que, desde a concepção da obra, há um longo caminho a se seguir do livro impresso até seu leitor. Ele envolve definições dos pontos de venda mais adequados para se encontrar seu público alvo; a escolha dos canais que o divulguem para seus leitores em potencial; e longos trajetos de caminhão, avião, navio, ou trem, até que as caixas de livros sobre os pallets, que vimos na montagem, cheguem até às livrarias.

Quando esse caminho é realizado pelo livro digital, ele se torna ainda mais imperceptível e irreal. Sem livreiros, sem espaços físicos de venda, sem caixas de livros a serem abertas vistas de plongée e contra plongée, parece que o livro digital simplesmente brota nas praças de venda virtuais como mágica. Mas para que a tela do computador ou do celular mostrem a obra que vai tomar a sua atenção pelos próximos dias ou semanas é preciso todo um processo de planejamento e execução, formado, como um feitiço, por palavras de poder.

Distribuição de livros no formato Merlin

A partir de uma definição clara do público-alvo a ser seduzido pela obra, há um desenho de palavras chaves quase místicas que alimentarão os algoritmos de busca para que, pulando de nodo em nodo de relacionamento entre objetos de desejo, esse livro digital, que quase parece não existir, se materialize como uma experiência para o leitor.  A concretização desse milagre depende de uma grande quantidade de rituais realizados pelos autores, editoras, e feiticeiras tecnológicas, disfarçadas de influenciadoras digitais, nas redes sociais e em outros canais às vezes menos óbvios de comunicação e venda, para tornar a  ideia do livro em um objeto da atenção do público, pronto a ser consumido.

Além dos acordos, baseados em modelos de negócios, firmados entre editoras, distribuidoras e canais de venda, é necessário que esse objeto virtual seja protegido tanto na integridade dos seus formato e conteúdo, para garantir a qualidade da experiência do seu leitor, quanto na sua unicidade enquanto produto, de forma a impedir a sua reprodução e distribuição a leitores não autorizados e piratas infernais, que apenas desejam se apropriar das riquezas escondidas nessas caixas de tesouro em formato e-pub.

Mas esse trabalho de distribuição não termina na venda do livro. Após a sua chegada ao leitor, os dados de todo esse trajeto ainda servirão de crônica e lições aprendidas a serem utilizadas por outros livros destinados a percorrer jornadas similares. Assim, como na obra fictícia de Bilbo Bolseiro, “De Volta Outra Vez”, cada vez que um livro deixa a sua toca, tem início uma nova aventura, onde, esperamos, autor e leitor consigam finalmente se encontrar. Será que, dessa vez, a mágica da distribuição irá acontecer, ou o leitor, como se utilizasse o Um Anel, ficará invisível para essa nossa cadeia de logística virtual? Não temos como saber. Apenas a feitiçaria do distribuidor digital, esse nosso Gandalf tecnológico, poderá nos dizer.

Pois é, Bilbo. Escreveu, tem que distribuir.

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