Colegas editores do passado, saudações.
Desde que comecei a visitar o início do século XXI para estudar o impacto das origens da Internet e da Inteligência Artificial no ciclo de vida dos produtos do mercado editorial, uma das coisas que mais me surpreendeu pelo seu primitivismo, além, óbvio, das guerras, da fome, da desigualdade social, e da existência de redes sociais virtuais, é o quanto vocês ainda falam de inovação. Sério, no futuro essa é uma palavra que quase ninguém usa. Hoje em dia, pelo contrário, parece que a inovação é a coisa mais inovadora que existe.
Mas, tranquilo, eu entendo vocês. O seu ambiente ainda não é o mais propício para a inovação. Sua ciência da administração ainda é muito focada em resultados de curto prazo, em geração de lucro e não em geração de valor. Pra piorar, não sei como, mas vocês ainda acham que são as pessoas que são inovadoras.
Apesar do Brian Eno já ter cantado a pedra desde 2009 de que não existe Gênio, mas Scênio- uma cena que promove a inovação no lugar do mito do desbravador individual-, vocês ainda têm essa mania de colocar os louros das mudanças de paradigmas, e, também, o estigma do erro em pessoas específicas. Besteira, é tudo parte de um mesmo processo coletivo. É preciso errar para inovar, pois, na vida, só temos duas opções: acertar ou aprender.
Outro problema taí. Quando a gente só quer acertar, a tendência é não inovar. Por exemplo, se o que está vendendo é autoficção e livro de colorir, fazer um livro para pintar fotos da Annie Ernaux não é bem inovação. Tá mais pra um golpe publicitário que tem tudo pra naufragar.
Assim, pra o tal Scênio acontecer, além de ter tolerância ao erro e aprender com ele, é preciso ter confiança nos outros atores do processo editorial, e saber que nem todo mundo precisa ser protagonista da inovação, mas que podemos ser excelentes coadjuvantes. Quando uma nova tecnologia chega, como foi com o livro digital, e agora com a inteligência artificial, é preciso criar cadeias de relacionamento que gerem e fortaleçam os ecossistemas de inovação. Em alguns momentos seremos nós na linha de frente das mudanças de paradigma, em outros seremos nós que precisaremos nos adaptar a elas. Tudo depende do foco da sua editora e dos interesses do seu público.
E essas inovações, é importante repetir, não surgem como uma lâmpada na cabeça de um iluminado, mas sim de um trabalho cuidadoso de recontextualizar os problemas, e se debruçar sobre as necessidades de todos os elos dessa cadeia. Só assim poderemos dar os saltos necessários nos nossos patamares, como fizemos no século XX nas mudanças de cadeias de distribuição, no desenvolvimento de novos pontos de venda, na digitalização dos processos de produção, e na criação de formatos físicos e digitais que atendiam a diferentes mercados. Quando chegamos nesses novos patamares, pode até parecer que os problemas antigos foram “resolvidos”, mas o que ocorreu, na verdade, foi que criamos um novo cenário onde novos desafios surgirão. O segredo aqui é ter a tranquilidade de olhar para esse processo como uma evolução contínua, e não como uma infindável e frustrante busca de soluções.
Essa evolução pode ser de todos os tamanhos e com maiores ou menores áreas de impacto. Desde melhorias de processos, com benefícios localizados na cadeia de produção de uma só editora, até as disruptivas, criando novos paradigmas para todo o mercado do livro, passando pelas inovações colaborativas, que promovem avanços para todo o setor e aumentam o público leitor. O somatório de todas essas inovações acumulativas é que vai construir o futuro de onde eu vim.
Um futuro em que saberemos aprender, reaprender e, principalmente, desaprender. Afinal, a única coisa que falta para criarmos esse ambiente, onde a inovação seja tão usual que nem precisemos falar dela, é justamente nos darmos a liberdade de olhar os problemas como simples provocações, e nos libertarmos das fórmulas do passado e dos nossos egos inflados.
Ops, espero não ter criado de novo, com a minha boca grande, nenhuma nova linha temporal onde adiantamos a disseminação da inovação no mercado editorial. Já não sei mais se errei ou inovei, mas uma certeza eu tenho: algo novo eu aprendi. E vocês? Aprenderam?