[oei#38] A história do livro, enquanto conceito, e as (r)evoluções do campo editorial

A maior dificuldade em se precisar o início (e, talvez, o fim) da história do livro se dá pela falta de consenso a respeito de qual conceito o representa e quando a sua materialização começa (ou deixa de) existir. Assim nos perguntamos se o livro surge com o modelo industrial da sua produção, propiciado pela “invenção” da prensa de tipos móveis de Gutenberg; ou se, talvez, o livro surge com a “popularização” do códice como um formato em contraposição ao rolo; ou quem sabe, o livro possa ser considerado também um conceito ligado à perenização de informações iniciado em tabletes de argila ou mesmo na pedra; ou, numa visão mais ampla, podemos inclusive dizer que a sua história nasce mesmo antes da sua existência física com o desejo de poetas, oradores e sacerdotes de transmitir arte e ideias a partir da própria memória em odes, discursos ou rituais transformados em costumes e cultura pelos agrupamentos humanos.

A tarefa de desenhar a história do livro, esse objeto inconstante e fluído, é tão desafiadora que a melhor saída talvez seja fazer cortes temporais específicos e analisar separadamente os campos que o cercam. Nosso primeiro impulso é tentar olhar para esses campos como campos editoriais, mas até o conceito de editora e edição são inovações nessa longa (ou curta) história desse ilusivo objeto. Outro viés possível para essa construção é buscar quem são os personagens e os papéis que o cercam, desde as instituições que promovem a sua disseminação (ou restringem o acesso a ele) e quais são as construções e rituais sociais que se constroem ao seu redor. E, enfim, se nosso olhar for sobre o objeto, a história do seu design e das mudanças tecnológicas que o levaram a se transformar durante os séculos possam ser o fio condutor da nossa narrativa.

Todos esses cortes temporais e múltiplos pontos de vista são válidos e não excludentes. Porém, é impossível construir uma história do livro que contemple todas essas elucubrações conceituais. Não haveria, me desculpem o gracejo, bibliotecas suficientes para guardar essa(s) história(s).

Por isso, qualquer debruçar sobre a história do livro tem que se voltar ao porquê desse esforço intelectual e, consequentemente, qual o impacto que esperamos que essa reflexão venha a provocar no seu futuro. Afinal, não estamos tentando entender de onde o livro veio e o que ele é, se não para poder vislumbrar ou desenhar para onde imaginamos (ou desejamos) que ele vá.

Como todo conceito em permanente (re)construção, o livro não pode ser entendido historicamente de forma honesta se não considerarmos que as suas possibilidades não foram, e, provavelmente, nunca serão completamente exauridas. Como resposta a um desejo da perenidade de nossos pensamentos, sentimentos, sonhos e personagens, a história do livro se confunde com a história de algo que nos faz primordialmente humanos: a história da luta contra as nossas falibilidades.

Enquanto não vivermos para sempre, enquanto não pudermos estar em todos os lugares, enquanto não soubermos tudo, enquanto não formos deuses, estaremos escrevendo (e lendo) livros. Livros físicos, em rolos, em códices; livros em áudio, digitais, e na forma de outros humanos nos contando histórias. Talvez, a história do livro comece mesmo no Éden, quando, seduzidos pelo ato de pensar, Adão e Eva colheram da árvore do conhecimento não um fruto proibido, mas um livro em eterna e inescapável construção. Talvez não sejam os humanos que façam o livro, mas o livro (em todas as suas manifestações e desejos) que nos faça humanos.

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